Foto de Maya Kuperman por Tamir Lahav-radlmesser
Maya Kuperman nasceu em Haifa, Israel, em 1982. Começou a chamar a atenção da crítica ao publicar seus poemas na revista MITA´AM, editada pelo poeta Yitzhak Laor (n. 1948), publicação que teve impacto na cena poética israelense ao voltar a discutir as implicações políticas da escrita poética, publicando poesia contemporânea, ensaios de pensadores como Judith Butler e traduções para o hebraico, de autores como Julio Cortázar, Franz Kafka ou Elias Khuri, assim como uma homenagem de Mahmoud Darwish a Arafat.
Capa do número 19 da revista MITA´AM
com o dramaturgo israelense Hanoch Levin (1943 - 1999),
edição especial dedicada ao autor
O primeiro livro de Maya Kuperman, שפת אם(Língua Materna), foi publicado em 2007. Poeta israelense com dupla nacionalidade israelense/polonesa, Maya Kuperman vive e trabalha em Berlim desde 2011.
Ela está entre os escritores participando do Festival Zeitkunst, que este ano faz uma “Homenagem a John Cage”, com a presença ainda dos poetas Ricardo Domeneck (Brasil), Johannes CS Frank (Inglaterra) e Max Czollek (Alemanha). No programa, peças musicais e textuais de John Cage, como “Music for Marcel Duchamp” e peças para “piano preparado”, além de uma peça em homenagem a Cage composta pelo húngaro György Kurtág. Músicos: Luiz Gustavo Carvalho (piano e piano preparado), Julian Arp (violoncelo) e Caspar Frantz (piano). Arte visual de Dieter Puntigam (Áustria). Direção de Lilly Jäckl (Áustria). As apresentações serão no Rio de Janeiro (dia 16/11, às 17:00, no Auditório da Rádio MEC); em Belo Horizonte nos dias 17 e 18/11, no Oi Futuro; e em Curitiba, no dia 20/11, no Museu Oscar Niemeyer.
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POEMAS DE MAYA KUPERMAN
Flagelo Particular
À noite, sustenho pedras e trincheiras até o seu pescoço.
Olho o relógio e indago
O que se esconde por detrás destas mãos, e por que
A saudade vai sempre atrasada?
No oposto do vale, à esquerda da cama,
Você boceja.
Uma perna surge imóvel por baixo do cobertor,
É o medo da volta à casa.
Tento estimar quão longe seus olhos vagam
Quando você cruza a sala.
Amantes não dormem.
Cansaço cresce feito oceano em mim
O corpo estirado como pantera,
Entre nós a estranheza se alastra feito um flagelo particular.
Durante anos, aprendi a medir a falta de amor
Como pais acompanham o crescimento de um filho;
Toda noite me esgueiro da cama
E cravo, com unha firme
Fundas fendas no umbral da porta.
Vejo-lhe sair de casa
Tal cervo a escapar da vista.
Por favor. Deixe a porta bem aberta.
(tradução de Flávio Britto)
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O que a história não nos ensina
Da pequena cidade na Ucrânia
E por Moscou, Lublin e Copenhague
Cidade portuária onde te recusaste a ancorar.
Vinte anos após tua morte
e ainda não havias extinguido tuas memórias.
Chegaste em Berlim, Itzhak,
Ou como nunca te invoquei: vô.
Que herdei de ti
Além de duas unhas tenras
E uma língua partida?
Quanto desprezei o teu silêncio mouco.
No inverno de 91, quando chuvas de mísseis irrompiam em Haifa
Agarrei-me a ti e aspirei a fumaça de tuas roupas
De tuas mãos,
Congeladas para sempre aquela noite na floresta
De pé no meio de um círculo
Teu corpo encharcado de gasolina
À espera da chama que nunca foi acesa (estavam ébrios demais, os soldados)
Mas ardeu pelo resto da tua vida, o resto da tua vida.
Desde então, teus dias foram silenciosos,
As noites repletas de gritos.
De manhã, constrangida, eu cantava a Tikva*
Mas te desapontavas, fechando com força os livros de história
E sussurravas num idioma estrangeiro (agora eu sei, agora entendo):
Não haverá outra pátria senão o esquecimento.
(tradução de Flávio Britto)
Nota: * O hino nacional israelense; palavra em hebraico que significa esperança.
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