Max Czollek nasceu em Berlim, Alemanha, em 1987. Entre 1993 e 2006 estudou na Escola Judaica, antes de ingressar na Universidade Livre de Berlim (Freie Universität Berlin) para estudos em Ciência Política. É cofundador do grupo Lyrikzirkels G13, publicou poemas nas revistas Randnummer, Belletristik e poet, e participou de festivais como o Festival de Poesia de Berlim (Poesiefestival Berlin) e Zeitkunst. Seu livro de estreia, Druckkammern (Berlin: Verlagshaus J. Frank, 2012) foi lançado esta ano na Alemanha.
Seu trabalho se integra ao que costumo chamar de ala telúrica da poesia germânica, com trabalhos em que o lirismo não significa cegueira à realidade em redor. Podemos pensar aqui em Heinrich Heine (1797 - 1856), Bertolt Brecht (1898 - 1956) e Thomas Brasch (1945 - 2001), referências importantes na poesia do jovem alemão. Ou, ainda, a um poeta que Max Czollek tenta resgatar no debate poético de seu país, o berlinense Kurt Tucholsky (1890 - 1935).
No poema "an einen vorgeborenen" (àquele que nasceu antes), que pode ser ouvido na voz do poeta no vídeo abaixo, Czollek estabelece um diálogo com Bertolt Brecht em seu famoso "an die nachgeborenen", geralmente traduzido ao português como "aos que vão nascer". Neste, Brecht escreve nas primeiras estrofes da segunda parte, aqui em tradução de Paulo César de Souza:
À cidade cheguei em tempo de desordem
Quando reinava a fome.
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto
E me revoltei junto com eles.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
A comida comi entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos
Do amor cuidei displicente
E impaciente contemplei a natureza.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
("Aos que vão nascer", segunda parte: Bertolt Brecht em tradução de Paulo César de Souza).
Vivendo nos tempos futuros ao qual Brecht se dirigia e que se provaram piores em tantos aspectos, Max Czollek dirige-se ao conselheiro Brecht e escreve:
cheguei às cidades à hora
das bodas quando
ali imperava a alegria
entre os homens
eu dancei com eles
dormi entre os mudos
sem língua a boca cheia
entupida de pontes
a força dos meus braços
foi-se em malas
carreguei o medo
("Aquele que nasceu antes", de Max Czollek, em tradução minha).
A poesia de Max Czollek pode encontrar um diálogo interessante com poetas brasileiros que vêm buscando a prática de um minimalismo que não implique absenteísmo político nem esterilidade emocional. Seu livro de estreia chegou em poucos meses à segunda edição na Alemanha, provando que há um público interessado na poesia contemporânea que se dirige a seu tempo, sem abandonar a relação com sua tradição, mas em diálogo, sem subserviência canônica.
Max Czollek está entre os escritores participando do Festival Zeitkunst, que este ano faz uma “Homenagem a John Cage”, com a presença ainda dos poetas Johannes CS Frank (Inglaterra) e Maya Kuperman (Israel), além do autor deste texto. No programa, peças musicais e textuais de John Cage, como “Music for Marcel Duchamp” e peças para “piano preparado”, além de uma peça em homenagem a Cage composta pelo húngaro György Kurtág. Músicos: Luiz Gustavo Carvalho (piano e piano preparado), Julian Arp (violoncelo) e Caspar Frantz (piano). Arte visual de Dieter Puntigam (Áustria). Direção de Lilly Jäckl (Áustria). As apresentações serão no Rio de Janeiro (dia 16/11, às 17:00, no Auditório da Rádio MEC); em Belo Horizonte nos dias 17 e 18/11, no Oi Futuro; e em Curitiba, no dia 20/11, no Museu Oscar Niemeyer.
Seu trabalho se integra ao que costumo chamar de ala telúrica da poesia germânica, com trabalhos em que o lirismo não significa cegueira à realidade em redor. Podemos pensar aqui em Heinrich Heine (1797 - 1856), Bertolt Brecht (1898 - 1956) e Thomas Brasch (1945 - 2001), referências importantes na poesia do jovem alemão. Ou, ainda, a um poeta que Max Czollek tenta resgatar no debate poético de seu país, o berlinense Kurt Tucholsky (1890 - 1935).
No poema "an einen vorgeborenen" (àquele que nasceu antes), que pode ser ouvido na voz do poeta no vídeo abaixo, Czollek estabelece um diálogo com Bertolt Brecht em seu famoso "an die nachgeborenen", geralmente traduzido ao português como "aos que vão nascer". Neste, Brecht escreve nas primeiras estrofes da segunda parte, aqui em tradução de Paulo César de Souza:
À cidade cheguei em tempo de desordem
Quando reinava a fome.
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto
E me revoltei junto com eles.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
A comida comi entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos
Do amor cuidei displicente
E impaciente contemplei a natureza.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
("Aos que vão nascer", segunda parte: Bertolt Brecht em tradução de Paulo César de Souza).
Vivendo nos tempos futuros ao qual Brecht se dirigia e que se provaram piores em tantos aspectos, Max Czollek dirige-se ao conselheiro Brecht e escreve:
cheguei às cidades à hora
das bodas quando
ali imperava a alegria
entre os homens
eu dancei com eles
dormi entre os mudos
sem língua a boca cheia
entupida de pontes
a força dos meus braços
foi-se em malas
carreguei o medo
("Aquele que nasceu antes", de Max Czollek, em tradução minha).
A poesia de Max Czollek pode encontrar um diálogo interessante com poetas brasileiros que vêm buscando a prática de um minimalismo que não implique absenteísmo político nem esterilidade emocional. Seu livro de estreia chegou em poucos meses à segunda edição na Alemanha, provando que há um público interessado na poesia contemporânea que se dirige a seu tempo, sem abandonar a relação com sua tradição, mas em diálogo, sem subserviência canônica.
Max Czollek está entre os escritores participando do Festival Zeitkunst, que este ano faz uma “Homenagem a John Cage”, com a presença ainda dos poetas Johannes CS Frank (Inglaterra) e Maya Kuperman (Israel), além do autor deste texto. No programa, peças musicais e textuais de John Cage, como “Music for Marcel Duchamp” e peças para “piano preparado”, além de uma peça em homenagem a Cage composta pelo húngaro György Kurtág. Músicos: Luiz Gustavo Carvalho (piano e piano preparado), Julian Arp (violoncelo) e Caspar Frantz (piano). Arte visual de Dieter Puntigam (Áustria). Direção de Lilly Jäckl (Áustria). As apresentações serão no Rio de Janeiro (dia 16/11, às 17:00, no Auditório da Rádio MEC); em Belo Horizonte nos dias 17 e 18/11, no Oi Futuro; e em Curitiba, no dia 20/11, no Museu Oscar Niemeyer.
--- Ricardo Domeneck
§
POEMAS DE MAX CZOLLEK
Max Czollek lê poemas em vídeo de Tobias Fitting. Especial para Modo de Usar & Co. e Hilda Magazine. Berlim, agosto de 2012. Todos os poemas incluídos em Druckkammern (Berlin: Verlagshaus J. Frank, 2012).
pernalonga
há quem conte histórias
sobre a constelação
de seus cadarços soltos
para que você
desate o braço
nos dias ruins
quando alguém pede
que identifique corpos
que outrora amou
ultrapassa o precipício
e despenca primeiro só
quando percebe o erro.
:
bugs bunny
man erzählt geschichten
über die konstellation
deiner offenen senkel
dass du dir damit
den arm abbindest
an schlimmen tagen
wenn jemand dich bittet
körper zu identifizieren
die du mal geliebt hast
rennst über eine klippe
und fällst immer erst
wenn du den fehler bemerkst
§
em wittenberg enrosquei
um animal triste no ventre
era grande empanturrava-se
empurrou um pequeno trompete
sob a corda tesa do meu queixo
e ali equilibrava a melodia
detrás escorria alguma coisa
mordeu com força meu tórax
carreguei isto na tua direção
:
in wittenberg wickelte ich mir
ein trauriges tier um den bauch
das war gross und ass sich satt
schob mir eine kleine trompete
unter das kinn gespanntes seil
darauf balancierte die melodie
dahinter verrannte sich etwas
biss mir heftig in den brustkorb
ich trug das in deine richtung.
§
ele tem um céu estrelado
gosta de canções
que soam feitas
por si sós
sob o chuveiro
curte masturbar-se
não é complicado
tem bons amigos
só quando é preciso
pensa em auschwitz
:
er hat einen sternenhimmel
er mag lieder
die sich anhören
wie selbstgemacht
unter der dusche
masturbiert er gerne
das ist unkompliziert
er hat gute freunde
wenn es sein muss
denkt er an auschwitz
§
àquele que nasceu antes
I.
cheguei às cidades à hora
das bodas quando
ali a alegria imperava
entre os homens
eu dancei com eles
dormi entre os mudos
sem língua a boca cheia
entupida de pontes
a força dos meus braços
foi-se em malas
carreguei o medo
II.
é verdade
mergulhei no mar cheio
perdi nisso os cabelos
carregado pela sorte
quando isso falhou
eu estava de partida
a esperança magra feito folha
na mata (eu falo de árvores
eu falo)
e não encontro o caminho
para as casas de ar
III.
de verdade vivo em tempos
em que os infelizes nem
choram mais nós somente
escrevemos adiante – por todo
lado os dedos em gatilhos quem
pode seguir simpático de que
adianta por que nos tornamos
ao fim do oceano ártico
aonde levavam as ruas
para o meu tempo
:
an einen vorgeborenen
I.
in die städte kam ich zur stunde
der hochzeiten als da
freude herrschte
unter den menschen
ich tanzte mit ihnen
schlief unter den stummen
ohne sprache den mund voll
gestopft mit brücken
die kraft meiner arme
ging in koffern
trug ich die angst
II.
es ist wahr
ich tauchte im großen meer
verlor mein haar dabei
getragen von glück
als das aussetzte
war ich unterwegs
die hoffnung dünn wie ein blatt
im wald (ich rede von bäumen
rede ich)
und kann den weg nicht finden
zu den häusern aus luft
III.
wirklich ich lebe in zeiten
wo die unglücklichen nicht
mehr weinen wir einfach
weiterschreiben – überall
die finger am abzug wer
kann da noch freundlich
bleiben was hilft es wozu
sind wir geworden am ende
der eismeere
wohin die straßen führten
zu meiner zeit
§
OUTROS POEMAS DE MAX CZOLLEK
9 de novembro
em dias como este penso
que eu devo aos jornais
invasão ao oriente médio
eu a caminho com tochas
do museu germânico das
perguntas e vizinhança:
que fazia a mão esquerda
enquanto a outra estava
ocupada em seus berros
faço para as decolagens
as malas detrás do cristal
pois todas me pertencem
:
9. november
an tagen wie diesen denke
ich schulde den zeitungen
eine großoffensive nahost
bin unterwegs mit fackeln
zum museum für deutsche
nachbarschaft und fragen:
was machte die linke hand
während die andere damit
beschäftigt war zu brüllen
packe ich für abflüge die
koffer hinter dem kristall
denn sie gehören alle mir
§
[eu digo]
eu digo: o sol
é o olho engrinaldado
da torre vigia dum campo
eu digo: você conhece
a praia em shanghai
ela merece ser vista
ao menos uma vez
eu digo: a um amigo
não darei coisa alguma
mesmo que ele não
me peça
eu digo: a viagem
com um parente morto
sempre vale a viagem
:
[ich sage]
ich sage: die sonne
ist das umkränzte auge
eines lagerturms
ich sage: kennen sie
den strand in shanghai
den sollte man einmal
gesehen haben
ich sage: einem freund
werde ich nichts geben
selbst wenn er nicht
darum bittet
ich sage: die reise
mit einem toten verwandten
ist immer eine reise wert
§
[quando eu crescer]
quando eu crescer
eu não terei medo
de voos continentais
tocarei uma canção
na flauta-vértebra
do meu primeiro amor
quando eu crescer
prendo idiotas da vila
com mãos de pássaro
deixo-os estender
uma rodovia na água
a meus tanques-nuvem
:
[wenn ich groß bin]
wenn ich groß bin
fürchte ich mich nicht
vor überlandflügen
spiele ich ein lied
auf der wirbelsäulenflöte
meiner ersten liebe
wenn ich groß bin
fange ich dorftrottel
mit diesen vogelhänden
lasse sie eine autobahn
ausrollen auf das wasser
für meine wolkenpanzer
:
aniversário
pelo meu quarto
vagam sombras
brindam ao ontem
atrás das paredes
elas são invocadas
pode ser: silêncio
oi, esvaziei garrafas
para o oceano
amanhã sigo para lá
antes morrem
meus pais em branco
vocês não entenderão isso
:
jubiläum
durch meine wohnung
wandern schatten
trinken auf gestern
hinter den wänden
ruft es nach ihnen
kann sein: schweigen
oj, ich habe flaschen
geleert für das meer
morgen fahre ich hin
vorher sterben
meine väter in weiß
sie werden das nicht verstehen
§
dilúvio
eu penso em pessoas
mortas em acidentes
tal previsão do tempo
bichos bíblicos exaustos
em salas pós-anestesia
no êxito das cirurgias
inundo uma exegese
e me esqueci onde
se ancoram os botes
à janela alguém
sacrifica bebidas
louva a aurora
:
sintflut
ich denke an menschen
die sterben bei unfällen
wie wettervorhersagen
an bibeltiere erschöpft
in den aufwachräumen
geglückter operationen
ich flute eine exegese
und hab vergessen wo
rettungsboote ankern
vor dem fenster opfert
einer schnapsflaschen
preist das morgenland
§
sinal de ocupado
eu lavo a louça
desligo os fusíveis
ao ombro a mochila
doo fotos de família
saldo minhas dívidas
tiro da parede o telefone
ando até o mercado
espero pelo caminhão
em direção a grunewald
não é fácil me encontrar
por este caminho
por favor tente de novo
:
besetztzeichen
ich wasche das geschirr
drehe die sicherungen heraus
schulter meinen rucksack
verschenke familienfotos
begleiche meine schulden
ziehe das telefon aus der wand
ich laufe zur kaufhalle
warte auf den lastwagen
in richtung grunewald
es ist nicht einfach mich
auf diesem weg zu treffen
bitte versucht es weiter
(traduções de Ricardo Domeneck)
.
.