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Rui Caeiro

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Rui Caeiroé um poeta português, nascido em Vila Viçosa, no dia 27 de junho de 1943. Vive em Oeiras. Estreoucom o volume Deus, sobre o magno problema da existência de Deus (1988), e  ainda publicou, entre outros, Sobre a nossa morte bem muito obrigado & etc (1989), Livro de Afectos (1992) e O Quarto Azul e outros poemas (2011). Traduziu obras de Rainer Maria Rilke, Robert Desnos, Nâzim Hikmet, Ramón Gómez de la Serna, Roger Martin du Gard, entre outros.

Nas palavras de Changuito, da Livraria Poesia Incompleta, que me apresentou ao trabalho do autor e fez a seleção de poemas abaixo: "Tem fãs por onde passa, pelo menos junto dos que olham com atenção. Usa o silêncio como generosa estratégia. Estudou direito. Tem filhos, netos, amigos. Gosta de ler e de comer. Dorme cedo. Leu tudo. É um sábio."

--- Ricardo Domeneck

§

TEXTOS DE RUI CAEIRO

de Sobre DEUS, sobre o magno problema da existência de Deus

Valerá a pena perder tempo onde os outros já perderam, falhar onde os outros já falharam?
Decidir desta questão é de alguma maneira decidir da sorte de Deus?

*

Não importa a existência de Deus (é um grave problema que não importa) mas sim o do muro. Entre Ele e nós, entre o aqui e o Além - um muro. De cuja natureza nada sabemos.
Já se falou o bastante sobre Deus e os seus pesados atributos. Também já dissemos as orações todas.
Mas sobre o muro – mais alto do que nós e do que Ele e de que Ele é tão vítima como nós?

*

Entre Deus e nós um muro, um abismo. Por que não nos temos entretido a adjectivar o muro, o abismo? Dá que pensar.

*

Quem é que se empoleira nos muros, a olhar para um lado e para outro? Os gatos, as crianças. Quem se empoleira no Muro?

*

Um bom tema de meditação: em que medida os atributos da Divindade são consequência, designadamente, dos pequenos-almoços, das sobremesas, das más digestões dos doutores da Igreja, do bom e do mau humor dos teólogos?

*

Do nosso medo, do nosso infinito desconhecimento, da nossa esperança, da nossa pálida alegria – Ele é um fruto serôdio.

*

Quando eu era pequenino e Tu existias não era entre nós muito grande a distância e mesmo a diferença, se exceptuarmos a de não fazeres nunca chichi na cama. Depois as complicaram-se: foste ficando para trás, não cresceste; eu cresci, não tive outro remédio. A morte tomou posições. E quando a morte se instala...

*

Atravancaste, mais do que o razoável, muitas vidas. Não se trata de te criticar os excessos, cada um afirma-se ou apaga-se como pode. Mas pensando nas vidas (atravancadas...) de tanta gente – os doentes e os timoratos, mas também os ignorantes e os distraídos – fatalmente se acaba perguntando por quê. Aqui para nós, não seria por que atravancando inchavas e inchando ganhavas existência?

*

Os místicos? Os místicos é outra conversa. Ultrapassaram-Te pela esquerda e já ninguém os agarra. Não cabem aqui – nem em parte nenhuma.


*

A estranha leveza que dás aos que não acreditam em Ti só pode ser da ordem do sobrenatural. Quanto mais não acreditam, mais leves se sentem. Quanto mais Te ferem (pensam que Te ferem) mais voam.

*

Senhor Deus que não existes, porque não existes, contigo o jogo é sempre limpo e inocente.

Até quando?

Até quando a tua inexistência perdure, ou a nossa paciência se canse, ou alguém apareça a estragar a brincadeira.

Mas quem?

§

 Do livro O Quarto Azul e Outros Poemas

O nosso amor não é coisa que se apresente
a uma sociedade como esta cujas exigências
stop que é do nosso amor que se trata
o nosso amor cheira às folhas podres de Outono
e quanto a reverdecer vou ali e já venho
o nosso amor está de rastos e como há-de ir
o nosso amor coelho esfolado o nosso amor
disco partido o nosso amor rato morto o nosso
amor ovo cozido ovo estrelado porque isso tanto faz
o nosso amor osso esburgado o nosso amor
brinquedo que um menino esventrou e não sabe
agora como é que vai poder consertar
o nosso amor chá de tília choque
anafilático paragem cardíaca
mas nosso amor apesar de ou nosso amor
tudo e mais alguma coisa o nosso amor
cinco sentidos viste-o ouviste-o tocaste-o
cheiraste-o degustaste-o o nosso amor
seja ou não seja e esteja ou não esteja
ele é para já e largamente quanto basta

§

Do número 5 da Revista Criatura

Bar dos 4 gémeos

                Para o Manuel de Freitas

E se por acaso quiseres beber, tens
não direi toda a terra pois tudo
aquilo que nela há é escasso
mas uma estreita faixa em forma
de rectângulo ou em forma de país
e lá dentro à beira mar uma cidade
grande bonita e feia que é até
a capital e lá um largo – Praça do Rossio,
assim chamada – e lá um bar
(ah, finalmente) mas um bar
a céu aberto, sem balcão de zinco
e sem barman, sem tamboretes
nem cadeiras e também sem copos
nem garrafas, mas bar à mesma
- dos 4 gémeos, assim chamado –
situado cerca do meio da praça
e se por acaso tiveres mesmo sede
abeira-te deles (isto é, dos 4 gémeos
em bronze), põe a cabeça a jeito
aproxima a boca e bebe, consoante
a sede que for a tua, e bebe - água,
que é o que há lá para se beber.

§

do livro Sobre a nossa morte bem muito obrigado, & etc

Diante da morte, diante de um suicida perante a morte, é de muito mau gosto lançar mão de qualquer tipo de literatura. Em tal situação, e perante um tal conviva, não tem qualquer préstimo o arsenal dos subterfúgios. Só talvez o silêncio. O silêncio que a morte faz à sua volta, quando acontece. Quando, por acaso maior ou menor e com mais ou menos solenidade, acontece.
Diante da morte, como em quase tudo, também é preciso distinguir. Há o que é importante e o que não não é.
O que não é, pôr de lado. Não deitar fora mas, resoluto, pôr de lado. Diante da morte não há tempo a perder. Frieza e paixão devem ser habitualmente doseadas.
Diante da morte o importante é sentir. Sabe-se lá como. E o quê.
A morte, provavelmente. O tempo que falta até lá. O que ainda resta.
Sentir, degustar o tempo esse como um percurso: de aprendizagem. de exaltação, de sabedoria.
Diante da morte o importante é estar.

§

do livro Sobre a nossa morte bem muito obrigado, & etc

Pois morre-se de muita coisa, de muita coisa
se morre, morre-se por tudo e por nada
morre-se sempre muito
Por exemplo, de frio e desalento
um pouco todos os dias
mas de calor também se morre
e de esperança outro tanto
e é assim: como a esperança nunca morre
morre a gente de ter que esperar
Morre-se enfim de tudo um pouco
De olhar as nuvens no céu a passar
ou os pássaros a voar, não há mais remédio
ó amigos, tem que se morrer
Até de respirar se morre e tanto
tão mais ainda que de cancro
De amar bem e amar mal
de amar e não amar, morre-se
De abrir e fechar, a janela ou os olhos
tão simples afinal, morre-se
Também de concluir o poema
este ou qualquer outro, tanto faz
ou de o deixar em meio, o resultado
é o mesmo: morre-se
Data-se e assina-se – ou nem isso
Sobrevive-se – ou nem tanto
Morre-se – sempre
Muito

§

do número 6 da revista Piolho

A dor de um gato
Quando cegaste foi de vez. Sem aviso prévio e dos dois olhos em simultâneo.
Não foi de um dia para o outro, foi mais o que se chama de um momento para o outro.
De um momento para a noite, melhor dizendo.
Quando cegaste foi como se na casa uma espécie de morte tivesse dado sinal de vida, essa sua espécie de vida.
Pois quantas vezes é assim, absurda e traiçoeira, que ela vem. E se instala.
Tu, indeciso e desorientado, andavas sem rumo pela casa às topadas a móveis, sacos de plástico, pilhas de livros.
Não foi um espectáculo bonito de se ver, acompanhado com miador que eram verdadeiros gritos de dor, de aflição, ou de cólera.
Ou, mais provável, tudo isso junto.
Grande ironia do destino, pensei na altura, logo os teus olhos.
Que eram amplos, redondos, curiosos, sempre alerta e cheios de luz.
Uns olhos de fazer inveja a muita gente que eu cá sei.
E gritaste, durante uns bons minutos gritaste.
Um som não ouvido até então, um novo som arrancado à natureza, ou ao mais fundo da tua animal sinceridade.
Um som que percutia os tímpanos com a sua nota de urgência e pânico.
Sabia-se de onde ele vinha, o som, não para onde ia.
Sim, para onde, se é que ia para algum lado? A quem se dirigia, se é que era dirigido a alguma coisa ou alguém?
A mim não seria: sabias, com a tua antiga e animal sabedoria, que eu nada te podia valer.
A Deus também não seria: os gatos, é coisa bem conhecida, não vão em trapaças.
Resta o puro NADA como hipótese, resta a
GRANDE PUTA QUE A TODOS NOS PARIU!

§

do livro Olhar o nada, ver a Deus

Aqui na Praia da Torre perto do lugar onde
mataram Gomes Freire de Andrade
aqui onde o Tejo por fim se rende e
se faz mar curvado sobre a areia
apanhando conchinhas e distraído
saboreando palavras lavadas e re
lavadas pela água das marés tais como
praia luz água nitidez búzio manhã
Deus ou Sophia de Mello Breyner Andresen

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