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Rodrigo Damasceno

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Rodrigo Damascenoé um poeta, tradutor e crítico brasileiro, nascido em Feira de Santana, na Bahia, em 1985. Traduziu Raimbaut de Vaqueiras, e.e. cummings e Amiri Baraka, entre outros. Aqui na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., participou dos ciclos críticos dedicados a Caio Valério Catulo e Guido Cavalcanti. Teve poemas publicados também na revista impressa. É autor do livro de ensaios “Borges e Bioy” (Tulle, 2007). Os poemas abaixo são inéditos.

--- Ricardo Domeneck

§

POEMAS DE RODRIGO DAMASCENO

Kosí Ewé, 
Kosí Òrisà

        para Maria Dolores

Onde não
tem mato
mas mesmo
assim folha -
estou.

Onde não
passa rio
mas mesmo
assim pássaro -
estou.

Onde não
bate mar
(coração)
mas mesmo
assim onda -
estou.

Onde não
pega fogo
mas mesmo
assim chama -
estou.

Onde não
chega gente
mas mesmo
assim vamos -
estou.

Aqui
Restou

§

Os peixes vermelhos

estou contando
os peixes
que passam:
somo os vivos
aos mortos -
e conto todos;
e em seguida
ao centésimo
de cor azul,
de cor pedra,
de cor fogo,
vou acender
um teu cigarro
e mergulhar
(apneia, agonia,
certo sufoco)(vou
em teu cavalo
terreno, este
bicho louco -
enxame de músculo
e osso - e ponte):
e passarei com eles,
com os peixes roxos,
aos pés
de quem nos conte,
a todos,
esteja eu vivo
esteja
eu morto.

§

Portugal não descobriu
o mundo,
mas eu conheço
gente que vive
em Maputo, que viu
o Japão,
que ama
o Porto - e este
poema é escrito
com acento
luso. Conheço um
português, (ele é o dono
desta pensão),
que já não tem
sotaque, já não
tem saudades: ao
falar-me de sua
cidade, comparou-a
com o sertão,
ele pensa
que eu vim
do sertão
(que bom, pensa
que sou como
ele, então)
Portugal não descobriu
o mundo,
mas eu conheço
gente que quer
voltar para o Rio de Janeiro,
que já não suporta
o caos, já não suporta
o cheiro
mau
do rio Pinheiros - será
que este também
vai morrer
no meio do mar?
Portugal não descobriu
o mundo,
não é o dono do mar,
mas eu conheço gente,
conheço gente,
conheço
gente.

§

agora que já
chega a chuva

e é
de noite

São Paulo
é tua, inteira
e suja

agora que já
corre o vento

e é
de noite

São Paulo
é tua, senhora,
é tua

agora que já
cai o raio

e é
de noite

São Paulo
é tua, merece
a surra

(raio e chuva,
Oyá,
vento e açoite)

§

Ode

        para Clarisse

este poema
é de todas
as estudantes
de letras - as dedicadas,
estudiosas,
as maconheiras,
desempregadas,
as ricas,
de classe média,
brancas
pretas
todas as estudantes
de letras -
as obcecadas
pelos
cabelos
cavalos
canteiros
rochedos
com pedras
coloridas
da chapada
diamantina
entre os dedos -
todas as estudantes
de letras
estão
neste
verso
que não vai ser lido
em sala
na última aula
de sexta - que é
quando
todas as estudantes
de letras
perdem a calma,
mordem o lápis, a caneta,
mastigam
borracha,
agarram as
crinas
azuis e vermelhas
despenteadas
do desespero
e metade delas
boceja (boca aberta
e felina
comendo
o tédio que
engole os corredores,
as escadas,
os professores, cantina)
neste momento
vão ler
cabral, bilac, bandeira
- quem quer
que seja: cecília -
mas este poema, não,
ele é daquelas
estudantes
de letras que
negociam brigadeiros,
beijinhos, bem-casados,
tecelagens,
bijuterias,
lisérgicos
e cerveja - matam
as aulas, riscam
as cadeiras, confessam
nas portas
do banheiro: que vergonha,
não sei contar
sílabas, odeio sonetos,
eu sinto falta do mar,
ai, o capitalismo,
o professor de francês
é machista, reggae
é vida, que dor:
não gosto, detesto
a minha
vagina (em seguida, a outra
risca: sua vagina é
poder, sua boceta
é poesia, menina!),
não consigo passar
em chinês: e vocês?
este poema
é de todas
as estudantes
de letras: pelo
menos daquelas
que não
fazem poemas
porque são
fêmeas:
que dor,
meninas,
mulheres,
amores,
que pena.

§

para meu pai

desde que cheguei
ao mundo
depois de deixar
a bahia
para trás
tenho bebido
menos
tenho comido
menos
tenho dormido
menos,
mais: estou
caminhado mais,
sem rumo, sim,
sem,
mas mirando
um dia qualquer
que até hoje
não passou,
tenho pensado
em meu pai,
(talvez à beira
do torno),
e em seu time
do coração,
e em seu próprio
pai e neste
time, também
em seu coração,
que em mim chega
à terceira
geração; é nisto
que penso
quando
atravesso
as ruas vazias
do campus
no domingo de sol
e de frio
em que a minha memória
é o radinho de pilha
do meu pai
sintonizado numa estação
am, chiando
baixo lá na cozinha: é isto,
este é o meu coração:
uma canção
romântica, uma romântica
canção, um grito
desesperado
de gol (do vitória)
que parte
a tarde
de um domingo de sol
e de calor
na bahia: e anuncia:

caiu

a noite

ilustrada; desde que
saí de lá
e cheguei ao mundo
estou assim,
estou assim.

§

Verão, quase

            para Clarisse

Teu ar.
E os olhos.
Teu verso
diz:desisti
de ser deusa.
Não tinha
sentido:
não queria
admirar
do alto
as baleias
imensas;
e imensos,
os penhascos;
os choros
nos bares;
e as carícias
nos cinemas.
Teu ar.
Os olhos.
Teu verso
dirá:resisti,
não vim
para ser musa.
Eis o meu perfil,
meus cabelos
escuros;
minha (única)
certeza:
eu teria sido
uma diva,
um aerólito
decadente
dos tempos
do cinema mudo.
Talvez
teu ar,
e teus olhos.
Teu verso
diz:escolhi,
é isto,
prefiro
não criar praias,
Lençóis,
cachoeiras;
melhor:
óculos escuros,
melhor:
cerveja,
melhor:
a saudade do sol,
as pernas
de fora;
melhor o sol:
eis tudo.

§

Tem espaço

                     para Lísia

Nesta memória
cabe o mar,
cabe sal,
[pedra lisa,
Lísia]
cabe fruta
[água
funda]
e cabe
árvore.
Nesta,
ainda cabe:
tanta tarde
tanta
tarde.
Nesta memória
cabe outro
e + outro
e + outro
sotaque.
Nesta, ainda
cabe concha;
cabem contas,
[calundu]
peixes/curvas,
cabem tantas;
[+ pé de amêndoa
na margem], cabe
a noite,
preta,
pura e onça.
Acabe, acabe.

§

Como escreve o poeta/ nascido e criado/ na Bahia entre os anos/ oitenta e noventa/ do século passado?/

                 para Maria Dolores

O poeta baiano
tem traumas?
Vê o mar
e não entra
na água?
O que
tem
o poeta
baiano?
O que é
que
o poeta baiano
tem?

Tem coragem
de tomar
a cidade
das mãos
d'Oxum?

Ousadia
pra encarar
o Bahia
com as cores
d'Exu?

Tem jeito
pra manejar
espada e feitos
guerreiros
d'Ogum?

Tem saia
engomada?
Tem?

O poeta baiano
tem água de cheiro
pra espalhar pela praia? Tem?

(Sereia nunca vai
Sereia só vem)

Tem?
Tem sandália
enfeitada?

O poeta baiano
aprendeu a ler pra escrever
ou pra ensinar seus camaradas?

Seu poema
tem balangandãs?
E ele irá
ao Bonfim?

Tem corpo
fechado?
Teme raio,
trovão,
machado?
Tem saudades e
treme de frio
sozinho
em São Paulo?

Tem dois amor.
Grita oké arô.

:

o que é
que
o poeta baiano
teme?

§

Poema pra quê?
A corda
que vibra
e estoura
na caixa
do peito
é que
basta.
E se não
basta?
Poema pra quê?
A galinha
que é preta
e que pula
de esquina
em esquina
é que é
pura.
E se não
pula?
Poema pra quê?
Para a pátria.
Para a noite.
Para Cuba.

§

Outra nota azul

Thelonious Sphere Monk sapateia ao piano.
Robert Allen Zimmerman mastiga uma gaita.
Todos parecem negligentes: Monk e os sapatos,
Dylan, seus dentes: às vésperas de um casamento,
aparo, solitário, a barba — cada vez mais ruiva, mais faca.
Ontem tivemos um sexo ligeiro, bem rápido:
o punhado de lençol molhado é como um tango:
sempre nos provoca a piada.
Não fomos à festa, ao teatro: Monk nos tocou
com seus dedos de espada, seus sapatos.

.
.
.


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