Philippe Wollneyé um poeta contemporâneo brasileiro, nascido na cidade de Goiana, Pernambuco, em 1987. Tem poemas publicados em antologias como Antologia Poética Goiana Revisitada (Silêncio Interrompido, 2012) e Cem Poetas Sem Livros (2009), assim como na revista Musa Rara.
Participou este ano do Festival Internacional de Poesia do Recife. Publica trabalhos ainda pelo selo Porta Aberta. Os poemas apresentados abaixo são inéditos.
--- Ricardo Domeneck
§
POEMAS DE PHILIPPE WOLLNEY
caosnavial ou sabor sujo
1.
e essa manifestação de língua nordestinada-pernambucanalha de fala arrastada quase cantada em tom alucinado retrato relato das palavras tencionadas no canavial tropical a sete graus ao sul da linha do equador tomando jurema e baixando o santo e perguntando e questionando os anjos que agora limpam suas penas manchadas de lama e de barro em águas de açudes e cachoeiras
2.
depois do luxo, lixo, que depois é léxico que antes é fluxo e agora é nexo entre texto e projétil que broxa no papel como revolver quebrando coco e de novo um poema reescrito com retalhos de carniceiria de cidade velha e carroceria de carro novo saído da fábrica do ferro velho do mundo velho direto para o mundo novo –de terceira categoria ou segunda ou primeira ou última em uso ou desuso onde poetas deslizam sobre óleo buscando uma ética para viver no inferno
§
caosnavial 2 | nove dígitos
sou um canavial inteiro de tragédias
quantos algarismos possuem a cota de homicidas e suicidas
[ em potencial?
minha neurose uma forte pulsão do não-lembrar!
quem pode resistir a este saara de sacarose?
tuareq’s caboclos buscam o oásis nos bares
miragens de alvas famílias felizes aos domingos
nômades catadores de lixo eletrônico, um misto
de cadáveres e caldeiras
e painéis de controle.
traços do tronco tupi –paralíticos ancestrais.
faquir’s pós-modernos invadem as ruas
apanham da polícia e em protesto praticam seppuku em
[ frente a delegacia
velhos põem fogo nos próprios corpos na dignidade dos que
[ sobrevivem sem remédios
guilhotinas funcionam todos os domingos em altares foliados a ouro
fila de espera na entrada da urgência dos hospitais
contas bancárias de nove dígitos brindam
por mais uma família que se joga em alta maré
pelo barro manchado de vermelho da chacina de ontem
pela morte lenta de mendigos de pés inchados e pele descamando
pelo estupro na casa de repouso feminino
pelo poeta que arrancou os olhos
e pelo novo empréstimo ao banco falido
§
caosnavial 4 | velha usina
guerrilha do natural contra o concreto e aço
- a natureza cochicha que não passamos de um segundo
serpentes trepadeiras engasgam frios de cobre
sementes de urtiga brotam do esterco das cabras
e filhotes de chihuahuas são engolidos por cobras
tentáculos silenciosos sobre tetos de zinco encobrem
a repressão de mão de ferro a chapados no canavial
liquens sobre metal e ferrugens
fezes de morcego lubrificam engrenagens gangrenagens
[ gangregases
:::...
no que resta das maquinarias cogumelos esporram
sobre o passado gasto de progresso a paciência do algoz
que amputa espécies e recai na surdina sobre pilares de mármore
[ e metal fundido
descama afrescos de ódio, de tédio e de medo da sala de visita
da casa de teto alto sobre a colina
destrói as paredes da senzala
retira o reboco dos homens e arrebenta os samboques da história
deixando a paisagem em cinzas para unguento do silêncio.
§
caosnavial 5 | o coiote
seus olhos holofotes iluminam o trabalho
aos tragos de fumo trevo
por quilômetros o seu uivo dita o ritmo
dos recordes da safra
animal anjo da forja
durante meses o cheiro de vinhoto preenche a cidade
seu hálito de vinagre atiça o cio dos dias
e a fuligem excita paus e bocetas
acesas na madrugada de segunda-feira
no hálito do coiote
combustível das queimadas
alergia dos netos
azougue dos primogênitos
exportação da tragédia
destilada e refinada.
§
caosnavial 7 | tardiamente
i
atravessa os mares em formas de fábricas que ocupam os campos com brêdos de flores roxas. mais uma vez o canavial se incinera na chegada da safra e suas labaredas estralam ao ebulir o caldo açucarado acordando as crianças das ruas e os coiotes nos escritórios. nuvens de pixilinguis e maruins tomam as ruas da cidade com sonhos industriais de escapamento automotivo e cortes verticais de aço inox em direção ao sol. tendo como norteador as presepadas dos chefes municipais com nepotismos e cartéis e agiotas como mecanismo eficiente de coerção social e especulação sobre como se constrói e como se faz. e no cardápio do dia um exemplo formidável de nossa gastronomia exótica de frettuccine ao creme de jerimum acompanhado com elevados índices de violência e prostituição infantil e como sobre-mesa frapê de araçá com marketing governamental e analfabetismo funcional.
ii
e essa mistura de miserê noticioso e poético esconde que dentro dos canaviais há separação de miolos em segundos onde foices e peixeiras temperam o córtex no embate do corte da cana de quatro toneladas dia no chão e a safra em que alguns não se safam nos atropelos dos tratores e treminhões em morros de massa pê onde acontecem a última trepada boia-fria e nas encruzilhadas existem dezenas de centenas de pequenas cruzes pintadas de azul e branco com anúncios de ticoqueiros e lambais e corumbas e cambindas mortos. beatas rezam e revezam diante de velas acesas e acenos de pavor quando as palavras se diluem em significados distantes e não trazem mais certezas. na capela santos e sonhos e senhores entre o perdão e pendão e o punhal fazem a fé o facão e o fuzil derivarem da mesma origem do mesmo início e difícil re/começar.
§
caosnavial 8 | dezembro
seu grito é agudo e a sede é constante
os olhos roucos selam a respiração em bagaço
defloram pendões da lira mesmo os ouvidos selados por
[ cera de marimbondos
dezembro virulento mais uma vez fodendo meus pulmões
vindo deles, fuligem e fuleragem dão no mesmo
poças de chuva sobre minha cabeça encharcam minha memória
[ em pó
anúncios de carniceiria deste trópico em destroços
ditam o tédio da vida administrada.
§
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Participou este ano do Festival Internacional de Poesia do Recife. Publica trabalhos ainda pelo selo Porta Aberta. Os poemas apresentados abaixo são inéditos.
--- Ricardo Domeneck
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POEMAS DE PHILIPPE WOLLNEY
caosnavial ou sabor sujo
1.
e essa manifestação de língua nordestinada-pernambucanalha de fala arrastada quase cantada em tom alucinado retrato relato das palavras tencionadas no canavial tropical a sete graus ao sul da linha do equador tomando jurema e baixando o santo e perguntando e questionando os anjos que agora limpam suas penas manchadas de lama e de barro em águas de açudes e cachoeiras
2.
depois do luxo, lixo, que depois é léxico que antes é fluxo e agora é nexo entre texto e projétil que broxa no papel como revolver quebrando coco e de novo um poema reescrito com retalhos de carniceiria de cidade velha e carroceria de carro novo saído da fábrica do ferro velho do mundo velho direto para o mundo novo –de terceira categoria ou segunda ou primeira ou última em uso ou desuso onde poetas deslizam sobre óleo buscando uma ética para viver no inferno
§
caosnavial 2 | nove dígitos
sou um canavial inteiro de tragédias
quantos algarismos possuem a cota de homicidas e suicidas
[ em potencial?
minha neurose uma forte pulsão do não-lembrar!
quem pode resistir a este saara de sacarose?
tuareq’s caboclos buscam o oásis nos bares
miragens de alvas famílias felizes aos domingos
nômades catadores de lixo eletrônico, um misto
de cadáveres e caldeiras
e painéis de controle.
traços do tronco tupi –paralíticos ancestrais.
faquir’s pós-modernos invadem as ruas
apanham da polícia e em protesto praticam seppuku em
[ frente a delegacia
velhos põem fogo nos próprios corpos na dignidade dos que
[ sobrevivem sem remédios
guilhotinas funcionam todos os domingos em altares foliados a ouro
fila de espera na entrada da urgência dos hospitais
contas bancárias de nove dígitos brindam
por mais uma família que se joga em alta maré
pelo barro manchado de vermelho da chacina de ontem
pela morte lenta de mendigos de pés inchados e pele descamando
pelo estupro na casa de repouso feminino
pelo poeta que arrancou os olhos
e pelo novo empréstimo ao banco falido
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caosnavial 4 | velha usina
guerrilha do natural contra o concreto e aço
- a natureza cochicha que não passamos de um segundo
serpentes trepadeiras engasgam frios de cobre
sementes de urtiga brotam do esterco das cabras
e filhotes de chihuahuas são engolidos por cobras
tentáculos silenciosos sobre tetos de zinco encobrem
a repressão de mão de ferro a chapados no canavial
liquens sobre metal e ferrugens
fezes de morcego lubrificam engrenagens gangrenagens
[ gangregases
:::...
no que resta das maquinarias cogumelos esporram
sobre o passado gasto de progresso a paciência do algoz
que amputa espécies e recai na surdina sobre pilares de mármore
[ e metal fundido
descama afrescos de ódio, de tédio e de medo da sala de visita
da casa de teto alto sobre a colina
destrói as paredes da senzala
retira o reboco dos homens e arrebenta os samboques da história
deixando a paisagem em cinzas para unguento do silêncio.
§
caosnavial 5 | o coiote
seus olhos holofotes iluminam o trabalho
aos tragos de fumo trevo
por quilômetros o seu uivo dita o ritmo
dos recordes da safra
animal anjo da forja
durante meses o cheiro de vinhoto preenche a cidade
seu hálito de vinagre atiça o cio dos dias
e a fuligem excita paus e bocetas
acesas na madrugada de segunda-feira
no hálito do coiote
combustível das queimadas
alergia dos netos
azougue dos primogênitos
exportação da tragédia
destilada e refinada.
§
caosnavial 7 | tardiamente
i
atravessa os mares em formas de fábricas que ocupam os campos com brêdos de flores roxas. mais uma vez o canavial se incinera na chegada da safra e suas labaredas estralam ao ebulir o caldo açucarado acordando as crianças das ruas e os coiotes nos escritórios. nuvens de pixilinguis e maruins tomam as ruas da cidade com sonhos industriais de escapamento automotivo e cortes verticais de aço inox em direção ao sol. tendo como norteador as presepadas dos chefes municipais com nepotismos e cartéis e agiotas como mecanismo eficiente de coerção social e especulação sobre como se constrói e como se faz. e no cardápio do dia um exemplo formidável de nossa gastronomia exótica de frettuccine ao creme de jerimum acompanhado com elevados índices de violência e prostituição infantil e como sobre-mesa frapê de araçá com marketing governamental e analfabetismo funcional.
ii
e essa mistura de miserê noticioso e poético esconde que dentro dos canaviais há separação de miolos em segundos onde foices e peixeiras temperam o córtex no embate do corte da cana de quatro toneladas dia no chão e a safra em que alguns não se safam nos atropelos dos tratores e treminhões em morros de massa pê onde acontecem a última trepada boia-fria e nas encruzilhadas existem dezenas de centenas de pequenas cruzes pintadas de azul e branco com anúncios de ticoqueiros e lambais e corumbas e cambindas mortos. beatas rezam e revezam diante de velas acesas e acenos de pavor quando as palavras se diluem em significados distantes e não trazem mais certezas. na capela santos e sonhos e senhores entre o perdão e pendão e o punhal fazem a fé o facão e o fuzil derivarem da mesma origem do mesmo início e difícil re/começar.
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caosnavial 8 | dezembro
seu grito é agudo e a sede é constante
os olhos roucos selam a respiração em bagaço
defloram pendões da lira mesmo os ouvidos selados por
[ cera de marimbondos
dezembro virulento mais uma vez fodendo meus pulmões
vindo deles, fuligem e fuleragem dão no mesmo
poças de chuva sobre minha cabeça encharcam minha memória
[ em pó
anúncios de carniceiria deste trópico em destroços
ditam o tédio da vida administrada.
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