Patrícia Linoé uma poeta e crítica portuguesa, nascida no Porto a 27 de junho de 1990. Organiza eventos em sua cidade natal, voltados para o diálogo entre as Literatuas nacionais em língua portuguesa, como o Colóquio Tinha Paixão?, que discute autores lusófonos do Brasil e da África. O poema abaixo foi publicado originalmente na revista portuguesa Enfermaria 6.
--- Ricardo Domeneck
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POEMA DE PATRÍCIA LINO
Caleidoscópio
A circunferência que a urina do meu cão faz
num passeio onde não acontece mais nada
a não ser o diâmetro que a urina do meu cão faz.
A suspensão coloidal das nuvens no trânsito.
O número de habitantes de Singapura
(新加坡共和国, 5 000 000, [114.º]).
Estar de joelhos onde acabem as tuas costas.
A cor azul dos teus atacadores no tapete
da entrada. Uma péssima tradução de Aristóteles.
Andar para trás na Pan-American Highway.
Como não há semelhanças entre um vinil dos Smiths
e um moinho de vento? São ambos processos
de fragmentação: please please please
let me get what I want
Os solavancos homéricos do autocarro no Bonfim
e os bigodes alados da motorista da SCTP.
Saber que o jazz se ouve de barriga para o ar.
O rapaz que me disse aos 6 que eu era uma varanda
ensinou-me o que era uma metáfora. A + B = C.
Expulsar o gato. Ficar a sós com Schrödinger
na caixa. “Só plantará um jardim de cabeça
para baixo aquele que não ler a Historia plantarum”.
Uma ferida é a interrupção da continuidade do tecido
corpóreo. I'm refering to Nonsense botany.
Se Sócrates sorriu para a morte de dedo em riste,
por que não haveria eu de te sorrir na fila do metro?
A primeira nódoa na camisa foi a tua boca.
A indecisão do pássaro em afogar-se no charco ou
o primeiro salto dos jogos olímpicos. Pintar um quadro
numa praia de nudistas. O movimento centrífugo
que os mamíferos desenham antes de deitar-se.
Aprender que o amor não é um rondó: ninguém quer
ouvir-nos cantar desde que Elisabeth pariu Schiller.
A tosse pneumática a 15 de novembro. As unhas raspadas.
O suicídio do hamster Tobias a 5 de janeiro. Cf. Werther.
A minha festa de aniversário em 1999. A tua saia. Tu.
O último massacre do Sudeste Asiático que era um jornal.
Ser perpendicular à porta de tua casa. A vermelha,
que rodopiava. O lavatório, o queixo. E os olhos
no espelho: girl, girl that I see,/ is there a literatest
mirror than me?
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