Oswaldo de Camargoé um poeta e prosador brasileiro, nascido em Bragança Paulista em 1936. Frequentou o Seminário Menor Nossa Senhora da Paz, em São José do Rio Preto, e hoje é coordenador de literatura do Museu Afro Brasil, em São Paulo.
É um dos fundadores do Quilombhoje e seu trabalho é marcado pela escrita e herança de poetas afro-brasileiros como Lino Guedes e Solano Trindade. É autor de O negro escrito - Apontamentos sobre a presença do negro na literatura brasileira, e dos livros O homem tenta ser anjo (1958), 15 poemas negros (1961), O carro do êxito (1972), A descoberta do frio (1978) e O estranho (1984), entre outros.
§
POEMAS DE OSWALDO DE CAMARGO
Escolha
Eu tenho a alma voando
No encalço de uma ave cega:
Se escolho rumo do escuro
Me apoio à sombra do muro
Pousado na minha testa.
Se elejo o rumo da alvura
Falseio os passos da vida
E me descubro gritando
Um grito que não é meu.
Que faço das mãos cobertas
De um sol doído só de África?
E do tantã nestas veias,
Turbando o ritmo ao sangue?
§
O saudoso guardador das reses
Bem sei que o moço corpo nesta sala
É parte de objetos: mesa, vaso,
cadeiras e a estante de verniz.
E a cidade cerca o véo fundo
do pensamento livre destes ciscos.
Às vezes largo a pressa e o olho baço
percorre a extensão da pele enxuta,
e julgo ali rever o amado sítio
hoje pousado sobre relembranças...
Nas tardes, se vou só, prossigo a luta
para o retorno àquele tempo,
idade inusitada em terras desse nunca
-mais. Contudo em minha pele tento criar,
há muito tempo, um boi.
Bem sei que o moço corpo nesta sala
É parte de objetos: mesa, vaso,
cadeiras e a estante de verniz.
Porém, vos digo: o gado me persegue até agora
e eu cheiro o seu estrume,
só o detém aqui os edifícios,
que os homens erguem contra o bucolismo.
À noite, durmo um nada, suportando berros
de cabras no palheiro d'alma.
§
Em maio
Já não há mais razão para chamar as lembranças
e mostrá-las ao povo em maio.
Em maio sopram ventos desatados
por mãos de mando, turvam o sentido
do que sonhamos.
Em maio uma tal senhora
Liberdade se alvoroça,
e desce às praças das bocas entreabertas
e começa:
"Outrora, nas senzalas, os senhores..."
Mas a Liberdade que desce à praça
nos meados de maio,
pedindo rumores,
É uma senhora esquálida, seca, desvalida
e nada sabe de nossa vida.
A Liberdade que sei é uma menina sem jeito,
vem montada no ombro dos moleques
e se esconde
no peito, em fogo, dos que jamais irão
à praça.
Na praça estão os fracos, os velhos, os decadentes
e seu grito: "Ó bendita Liberdade!"
E ela sorri e se orgulha, de verdade,
do muito que tem feito.
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Escolha
Eu tenho a alma voando
No encalço de uma ave cega:
Se escolho rumo do escuro
Me apoio à sombra do muro
Pousado na minha testa.
Se elejo o rumo da alvura
Falseio os passos da vida
E me descubro gritando
Um grito que não é meu.
Que faço das mãos cobertas
De um sol doído só de África?
E do tantã nestas veias,
Turbando o ritmo ao sangue?
§
O saudoso guardador das reses
Bem sei que o moço corpo nesta sala
É parte de objetos: mesa, vaso,
cadeiras e a estante de verniz.
E a cidade cerca o véo fundo
do pensamento livre destes ciscos.
Às vezes largo a pressa e o olho baço
percorre a extensão da pele enxuta,
e julgo ali rever o amado sítio
hoje pousado sobre relembranças...
Nas tardes, se vou só, prossigo a luta
para o retorno àquele tempo,
idade inusitada em terras desse nunca
-mais. Contudo em minha pele tento criar,
há muito tempo, um boi.
Bem sei que o moço corpo nesta sala
É parte de objetos: mesa, vaso,
cadeiras e a estante de verniz.
Porém, vos digo: o gado me persegue até agora
e eu cheiro o seu estrume,
só o detém aqui os edifícios,
que os homens erguem contra o bucolismo.
À noite, durmo um nada, suportando berros
de cabras no palheiro d'alma.
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Em maio
Já não há mais razão para chamar as lembranças
e mostrá-las ao povo em maio.
Em maio sopram ventos desatados
por mãos de mando, turvam o sentido
do que sonhamos.
Em maio uma tal senhora
Liberdade se alvoroça,
e desce às praças das bocas entreabertas
e começa:
"Outrora, nas senzalas, os senhores..."
Mas a Liberdade que desce à praça
nos meados de maio,
pedindo rumores,
É uma senhora esquálida, seca, desvalida
e nada sabe de nossa vida.
A Liberdade que sei é uma menina sem jeito,
vem montada no ombro dos moleques
e se esconde
no peito, em fogo, dos que jamais irão
à praça.
Na praça estão os fracos, os velhos, os decadentes
e seu grito: "Ó bendita Liberdade!"
E ela sorri e se orgulha, de verdade,
do muito que tem feito.
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