
Amosse Mucaveleé um poeta, ensaísta e tradutor moçambicano, nascido em Maputo em 1987. Dirige o projeto de divulgação Literária Esculpindo a Palavra com a Língua e é chefe de redação da publicação Literatas, revista de Literatura moçambicana e lusófona.
Sobre a escrita do moçambicano, Susana Busato escreveu: "A poesia de Mucavele desenvolve-se em meio à alegoria do fazer do arquiteto que molda nas formas da cidade a forma do desejo e a pulsão sexual."
Alguns dos poemas abaixo já haviam sido publicados em revistas digitais. Outros foram extraídos do livro inédito A Posse do(s) Sonho(s) ou o Prefácio de uma Galáxia Interior.
Sobre a escrita do moçambicano, Susana Busato escreveu: "A poesia de Mucavele desenvolve-se em meio à alegoria do fazer do arquiteto que molda nas formas da cidade a forma do desejo e a pulsão sexual."
Alguns dos poemas abaixo já haviam sido publicados em revistas digitais. Outros foram extraídos do livro inédito A Posse do(s) Sonho(s) ou o Prefácio de uma Galáxia Interior.
--- Ricardo Domeneck
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POEMAS DE AMOSSE MUCAVELE
de A Posse do(s) Sonho(s) ou o Prefácio de uma Galáxia Interior.
Mel amargo
Para Mbate Pedro
As abelhas fabricam o seu zumbido
ao anoitecer dos dias
e ao clarear da noite
vendem a dor na matriz
do som amargo que as nossas bocas chupam
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Eis tudo História
para Sangari Okapi
Preso a minha vinda
nas algemas da tua chegada
onde derretem granizos na porta
dos soluços obsoletos do tempo
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Viagem
(com imagens de Lisboa)
para Dilía Fraguito e Mito Elias
nas crostas do mar
brotam lagos voadores
com plumas de papagaios suburbanos
a sobrevoar nos tímpanos da cidade
que sangra desejos de amar os emigrantes
§
Depois da Ditadura Militar
para F. Gullar
O anjo é grave
agora.
Começo a esperar a morte.*
como quem procura mostrar o silêncio aos ouvidos rotos desta noite
que escurece as paredes da luz feita de pólvora.
galgo a estirpe da brisa nocturna nas linhas da terrível extensão da dor
em plena castração da casa. E no meio dos escombros colho palavras de estacas
para com elas disseminar lâmpadas do ajustamento das ruínas humilhadas
pelo magnífico derrubo catastrófico do pó do martelo
§
Outros poemas
Guerra Popular
A cidade é um inventário de angústias
uma música cega
um eco que se fecha em silêncio
Na veloz saudação dos chapas
§
Bairro Magude
Regresso ao avesso
com luzes apagadas
faço da escuridão a condição pela qual vivo
arrasto o silêncio para onde o sonho se abre em charco
§
Subúrbio
Nas margens da cidade
as acácias são como almas adiadas a arder
na melancólica procura de um sonho
para enxugar os pés
e sei que nenhum peão restituirá os buracos
§
Macaneta
Nessa praia tínhamos perdido o caminho para o mar
o resto da terra caiu em lágrimas
num rio calado pelo tempo
feitos de náufragos
(choramos com a bússola na mão)
§
Inhaca
Haverá ainda este sol
a murmurar na água
se a fome dos barcos alcançar a terra
Haverá esta tamanha glória
no corpo insaciável dos remos
que sugam o mar todo
se com os olhos continua(r)mos a desfolhar o distância?
§
Na maré do meu diário – o incerto
reescrevo com os olhos
a fonte do imaginário desta cidade
sem rumo, anoiteço no corpo do poema
onde voa o sol em toda sua glória
§
Eu vi o sol em toda sua glória
a procura de refúgio longe do florir da noite
sem nome, os barcos vacilam geometricamente
no corpo húmido de silêncio
(tal como as estrelas a apodrecer no charco)
§
Magumba
Se tu remas e eu remo
eu me remo rumo a ti
é no mar onde desnorteia-se a vítima
§
Canção do Pescador
Tenho muito mar – o rumo
onde sílaba a sílaba, remo
os dias todos
como uma pedra na água
encosto o ouvido sobre o barco
oiço
uma oração natural do anzol
(pela boca morre o peixe)
.
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