Diz o panfleto de Simão Sinésio (também conhecido como Simão, o Bardo), mestre de cordel e apologista do sebastianismo que perambulou pelo sertão de Pernambuco no último século, que três vezes uma estrela vermelha (uma estrela de fogo) cairia dos céus no sertão, primeiro como tragédia, depois como farsa, e por último, como espetáculo.
Conforme consta na profecia, cada estrela marcaria o nascimento de um coringa brasileiro, figura nietzscheana, nem boa, nem má, que confunde e comove, e que viria bagunçar o temeroso esquema-brasil até que o rei renascesse, separando o joio do trigo.
Também constava no panfleto o importante dado de que a terceira e última estrela trairia e seria traída pelos seus, para - em seguida - reabrir o baralho, ja sem cartas marcadas, que engendraria o triunfo do naipe de copas e seu coração flamejante.
Importante notar, entretanto, que os três coringas estariam destinados ao fracasso - um fracasso que empurra a história pra frente, como um germe, preparando o retorno de Dom Sebastião.
A primeira estrela, sabemos, trouxe Antonio Conselheiro, profeta de Canudos e dos desgraçados, marcado e aniquilado como Bandido pelos valetes de espada e pela imprensa oficial do século xix. Regente que regou com sangue a poeira do sertão, dando de beber aos seus.
A segunda, conforme nos informa a exegese dos poetas contemporâneos, trouxe Marighella, guerrilheiro negro e baiano assassinado como Bandido no Rio de Janeiro à época da ditadura militar, o governo do naipe de paus, que duraria 21 anos, regando com sangue o asfalto.
A terceira e última estrela, como se pode adivinhar, trouxe Lula, operário pernambucano perdido em São Paulo que chegaria ao poder, condenado ao amor e ao ódio, que traiu e foi traído, que errou e acertou, constantemente tentado pelo labirinto do poder, porque lutou a guerra silenciosa de copas contra o ardiloso naipe de Ouro$.
E aqui nos encontramos, ao estágio do mito-brasil descrito por Simão em que as massas se dividem. Há quem consulte os relógios e os bancos; ha quem consulte a bolsa de valores ou o próprio estômago.
Há os que olham para a televisão, para o horizonte e para o céus. Há os que olham para o mar à espera do rei. Enquanto isso, Lula, cognominado "A Jararaca do rabo partido", declara guerra e reúne as tropas. O baralho de ouros se agita e tambem estende as garras. Não faltam acusações e há farsas. Os acusadores bradam a aletheia, a verdade. A imprensa defende o seu naipe, e instiga: Bandido ou Herói?
E também isso Simão Sinésio, o Bardo, o que perambulou pregando, já havia respondido:
em matéria de Brasil,
Os dois!
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Italo Diblasi é um poeta brasileiro, nascido no Rio de Janeiro em 1988. Sua primeira coletânea, O Limite da Navalha, está no prelo.
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