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Kamala Das (1934 - 2009)

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Victor Heringer traduz e apresenta a poeta e prosadora indiana Kamala Das (1934 - 2009), que produziu sua obra nas línguas inglesa e malaiala.



Kamala Das, também conhecida como Kamala Surayya ou Madhavikutty, foi uma poeta indiana nascida no estado do Querala (Kerala), na costa Malabar, em 1934. Sua poesia foi escrita em inglês, enquanto sua popular autobiografia (My Story) e seus contos foram produzidos no idioma malaiala ou malabar (malayalam), uma das línguas clássicas da Índia, predominante no Querala, alguns posteriormente traduzidos pela própria autora para o inglês. O poema "An Introduction" está no livro Summer in Calcutta, de 1965. Kamala Das morreu em 2009.

--- Victor Heringer

§

POEMA DE KAMALA DAS

Uma introdução

Não sei sobre política, mas sei os nomes
Dos que estão no poder, posso repeti-los como
Os dias da semana, os nomes dos meses, começando por
Nehru. Sou indiana, bem marrom, nascida em
Malabar, falo três línguas, escrevo em
Duas, sonho em uma. Não escreva em inglês, eles disseram,
O inglês não é sua língua-mãe. Por que não me deixam
Em paz, críticos, amigos, primos em visita,
Todos vocês? Por que não me deixam falar na
Língua que eu quiser? A língua que eu falo
Se torna minha, suas distorções, esquisitices
Todas minhas, só minhas. É metade inglesa, metade
Indiana, engraçadinha talvez, mas honesta,
Humana como eu sou humana, vocês não
Veem? Dá voz às minhas alegrias, meus desejos, minhas
Esperanças, e é útil para mim como crocitar
É aos corvos ou rugir aos leões, é
Fala humana, fala da mente que está
Aqui e não lá, uma mente que vê e ouve e
Está atenta. Não a fala surda-muda
Das árvores na tormenta ou das nuvens da monção ou da chuva ou dos
Murmúrios incoerentes da fulgurante
Pira funerária. Era criança, e depois eles
Me disseram que cresci, pois fiquei alta, meus membros
Incharam e aqui e ali brotaram pelos. Quando
Pedi amor, sem saber o que mais pedir
Ele conjurou um menino de dezesseis no
Quarto e fechou a porta. Ele não me bateu,
Mas senti meu triste corpo de mulher tão abatido.
O peso dos meus seios e do meu útero me esmagaram. Eu encolhi
Lamentavelmente. Então... passei a usar camisa e as calças
Do meu irmão, cortei meu cabelo curto e ignorei
Minha feminilidade. Vista um sári, seja menina,
Seja esposa, eles disseram. Seja bordadeira, seja cozinheira,
Seja briguenta com os serviçais. Conforme-se. Ó,
Pertença, clamaram os categorizadores. Não se sente
Nas paredes ou espie pelas nossas janelas acortinadas.

Seja Amy ou seja Kamala. Ou, melhor
Ainda, seja Madhavikutty. Está na hora de
Escolher um nome, um papel. Não brinque de ser o que não é.
Não brinque de esquizofrenia e não seja
Ninfomaníaca. Não chore vergonhosamente alto quando
Abandonada no amor... Conheci um homem, amei-o. Não o chamo
Por nome nenhum, ele é todos os homens
Que querem mulher, como eu sou todas
As mulheres que procuram amor. Nele... a pressa faminta
Dos rios, em mim... a espera incansável
Do oceano. Quem é você, eu pergunto a cada um,
A resposta é: sou eu. Em qualquer lugar
E em todo lugar, vejo aquele que se autonomeia
Eu; neste mundo ele está confortavelmente colocado
Como a espada na bainha. Sou eu que bebo sozinha
Às doze, meia-noite, em hotéis de cidades estranhas,
Sou eu que rio, sou eu que faço amor
E logo me envergonho, sou eu que me deito morta
Com um chocalho na garganta. Sou pecadora,
Santa. Sou a amada e a
Traída. Nenhuma das minhas alegrias não são suas, nenhuma
Dor não é sua. Eu também me chamo eu.

(tradução de Victor Heringer)

:

An Introduction

I don't know politics but I know the names 
Of those in power, and can repeat them like 
Days of week, or names of months, beginning with Nehru. 
I am Indian, very brown, born in Malabar, 
I speak three languages, write in 
Two, dream in one. 
Don't write in English, they said, English is 
Not your mother-tongue. Why not leave 
Me alone, critics, friends, visiting cousins, 
Every one of you? Why not let me speak in 
Any language I like? The language I speak, 
Becomes mine, its distortions, its queernesses 
All mine, mine alone. 
It is half English, half Indian, funny perhaps, but it is honest, 
It is as human as I am human, don't 
You see? It voices my joys, my longings, my 
Hopes, and it is useful to me as cawing 
Is to crows or roaring to the lions, it 
Is human speech, the speech of the mind that is 
Here and not there, a mind that sees and hears and 
Is aware. Not the deaf, blind speech 
Of trees in storm or of monsoon clouds or of rain or the 
Incoherent mutterings of the blazing 
Funeral pyre. I was a child, and later they 
Told me I grew, for I became tall, my limbs 
Swelled and one or two places sprouted hair. 
When I asked for love, not knowing what else to ask 
For, he drew a youth of sixteen into the 
Bedroom and closed the door, He did not beat me 
But my sad woman-body felt so beaten. 
The weight of my breasts and womb crushed me. 
I shrank pitifully. 
Then…  I wore a shirt and my 
Brother's trousers, cut my hair short and ignored 
My womanliness. Dress in sarees, be girl, 
Be wife, they said. Be embroiderer, be cook, 
Be a quarreller with servants. Fit in. Oh, 
Belong, cried the categorizers. Don't sit 
On walls or peep in through our lace-draped windows. 
Be Amy, or be Kamala. Or, better 
Still, be Madhavikutty. It is time to 
Choose a name, a role. Don't play pretending games. 
Don't play at schizophrenia or be a 
Nympho. Don't cry embarrassingly loud when 
Jilted in love … I met a man, loved him. Call 
Him not by any name, he is every man 
Who wants a woman, just as I am every 
Woman who seeks love. In him... the hungry haste 
Of rivers, in me... the oceans' tireless 
Waiting. Who are you, I ask each and everyone, 
The answer is, it is I. Anywhere and, 
Everywhere, I see the one who calls himself I 
In this world, he is tightly packed like the 
Sword in its sheath. It is I who drink lonely 
Drinks at twelve, midnight, in hotels of strange towns, 
It is I who laugh, it is I who make love 
And then, feel shame, it is I who lie dying 
With a rattle in my throat. I am sinner, 
I am saint. I am the beloved and the 
Betrayed. I have no joys that are not yours, no 
Aches which are not yours. I too call myself I.


§

sobre o tradutor

Victor Heringeré um escritor brasileiro, nascido no Rio de Janeiro em 1988. É autor dos romances Glória (Rio de Janeiro: 7Letras, 2012) - vencedor do Prêmio Jabuti, e O amor dos homens avulsos (São Paulo: Companhia das Letras, 2016). Publicou ainda a coletânea de poemas Automatógrafo (Rio de Janeiro: 7Letras, 2011). É um dos convidados do Festival Artes Vertentes 2016. No ano passado, esteve na Índia para leituras e oficinas, e trouxe na bagagem vários poetas indianos. Bate ponto na revista Pessoa e na sua página pessoal

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