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Oswaldo Martins

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Oswaldo Martinsé um poeta brasileiro, nascido em Barbacena, Minas Gerais, em 1960. Formado em Letras pela PUC-Rio e mestre em Literatura Brasileira pela UERJ. Publicou os livros desestudos (2000), minimalhas do alheio (2002), lucidez do oco (2004) e Cosmologia do impreciso (2008). Vive e trabalha no Rio de Janeiro.

§

POEMAS DE OSWALDO MARTINS

INÉDITOS


ossip

tudo é apenas delírio e xerez
(ossip mandhelstam)

O poeta morto
mãos longas corpo breve

uma côdea de pão
pendia da boca

a inércia
por dois dias

o rito
dos prisioneiros

no campo
de vladivostok

§

toma, peter pan, só um lexotan 
(aldir blanc)

a sociedade matou seus poetas
e põe as garras de fora
o revólver de maiakovski
substituído por uma lili brik

para os lamentos oficiais

§

anna

as estrelas da morte pairavam sobre nós
(anna akhmatova)

nos nus de modigliani
a poeta russa
respira o amor

que a rodas
dos rabecões

calou

§

ginsberg

entrarei silencioso no quarto de dormir e me deitarei entre noivo e noiva

os americanos expulsaram de suas terras
o obreiro dos sonhos

aquele que deitara nos campos
entre os corpos novos e suados

dos que inebriam a vida
cantando canções e ruas

§

o poeta morto
antes da morte se anuncia

dois dias
no frio da sibéria

para o desespero
dos que morreriam depois

§

corta-jaca
anti-dedicatória para rui barbosa

o salão de festas faz
requebrar as moçoilas
que jogam para frente
as espáduas

para trás
as bucetas em flor

sorriem cúmplices papais
e mamães

num funk arrependido
batem no chão com o pezinho
sacodem um beliscão nas ancas

e se recolhem à inocência
de um whisky a go-go

§

tourear com goya
para alexandre faria

a cena
sob o aluvião da dentadura
do cão no beiral dos estátuas

que se erigem por onde pastaram
os pastores do sr. tomás!
impede a deseducação dos conceitos

a teoria dos prazeres
que aponta abismos
e não certezas

§

vermelho-modigliani

pixa amor
pixa no sofá

de rastro
de frente

pixa do amor
o encaracolado pixaim

§

bêbada desimitação de homero

as embarcações partem das areias secas
à frente o busto da tragédia que anuncia
o silêncio duro das sereias

quem com elas tange ondas de oceânico sal
quem sobre o branco dos olhos de poseidon
quem nas miríades do cemitério marinho

as embarcações secas
o busto de peixes carcomido
a água silenciada no abismo

eis o simulacro e o delírio dos ébrios
da linguagem solta, e dos vitupérios
eis a mão que mergulha e decepa

§

velásquez  

esvazie-se no limite da lata d’água
o que segue até a ignição do seco
de um solavanco em marchas a ré

aqueça-se no resto do tronco teso
que grita da forja à faca frágua
de uma centelha assassinada a mó

crie-se do resto o lodo do contrapé
que ecoa até o nada do burlesco
e estanca defronte ao rio e se esboroa.

§

para júlia em movimento  

um corpo que da rua vibrasse
as marcas sutis do enovelar-se
e despir-se sem –  nos entantos
do entornar para fora nudez
e símbolo – o nu plasmado
se indecide força para os olhos
o ardor o agreste da beleza
que torce a sedução do vazio
e explode o palco, o homem
imagem-caco do movimento

§

depois da sesta de um fauno

sem mais,

despe-te das palavras
que ainda restam

para eu contemplar-te o corpo
contemplar-te a ânsia nua
no abismo de teu sexo nu

§

desimitação de marguerite

tem a beleza um rosto trágico
retinas olham desde o colo
para aquém delas a centelha
que se esconde e supõe contra

o próprio olhar – agora cego –
um olhar de si – aturdido –
a debruar-se nos pentelhos
teias tangíveis as guitarras

ecoam abismos flor de lis
no peito que olhara sob
tal mantel as margaridas

nas braçadas do teatral viés
guardam nome por não dizer-me
das vozes – mananciais fodidos

§

desimitação de leopardi

no cós a navegar delírios saltam
flores como se em roda rendada
a saia dançasse por si o transpor
os dados os dedos que não mais

se acham infinitos os olhos sobre
as sebes indagam do branco lago
onde pousada face que se busca
no umbigo ou qualquer outra luz

dolce far niente dos cabelos que
em fogo atestam as labaredas do
nó de peito que se desata e mói

o estancar das bridas que o cós
a saia pelo infinito do naufrágio
da tristeza que neste mar dança

por dançar

§

OUTROS POEMAS

Antiode aos calhordas
Oswaldo Martins

I

os homens plantam o que a terra dá
colhem em abundância frutos como o caqui
a abóbora e o hortelã

às vezes colhem a dura pedra cabralina nos sertões caatinga
às vezes colhem as vidas secas gracilianas nos setentriões
às vezes euclidianas figuras bíblicas nos casebres de belo monte
às vezes lampiônicas marias bonitas

colhem esses homens o trágico de édipo de medeia
o trágico dílmico a responder perdido o jogo a encenação da comédia

colhem essas mulheres os seios desnudos na praça de são salvador
colhem essas mulheres a força
colhem a vida e de eros a bela dicção dos poemas da poeta de lesbos

homens e mulheres plantam vida sob o arado extenso das pedras

II

os treze tiros em mineirinho foram em mim que deram

III

ai donzela!
princesinha dos deboches

sois quem sois neste lugar
triste senhora das criancinhas e da fome
triste senhora de seios recobertos e marido atento
triste senhora marionete das bocas tristes
triste senhora dos jurisconsultos do século XIX

cuja retórica é de uma inocência pior que a do romantismo brasileiro
cuja retórica pequena principesca faz corar os anjos e as bobagens de exupery
cuja retórica é mais vazia que o vazio dos menininhos sarados
cuja retórica é tão nociva quanto as mesóclise do senhores neo-bilacs da poesia de pacotilha

gorda senhora de alma e esperteza – poluída alma de miss
imagina o que vem a ser o cheiro de gente
imagina o que vem a ser os valões dos esgotos das favelas
onde seus meninos não usam perfumes franceses

mandarás acaso que os pulverize com perfumes da coty para não incomodarem vossas narinas finas

senhora, caíras no resfolego da sanfona de luiz gonzaga
ou como a sebastiana de jackson do pandeiro
gritarás a e i o u ypsilone
como gritam as gabrielas as shirleis as vandas tenebrosas
das vilas mimosas

ou como um político desses quaisquer ao ir ao mangue botanto a mão nos olhos como se continência prestassem exclamassem aí meu deus que fartura

ou como a durvalina disse que de buceta homem casado está por aqui, num gesto característico num gesto característico das explicações pru quê.

ai madona, onde perdeste a rosa da puberdade?

IV

triste senhora leste madame bovary?
o charles é isso aí.

§

doze estudos para ambientes e ritmos populares

1
cavaquinho 

vozes
cavam rugas
arranhaduras
unhas
no oco das luzes

2
saxofone 

há ladrando um caos
de fumo
pedra
cão

um esvaziamento
dos sentidos

um ser em ninguém
sola e sua
tristeza

sedição

3
para ana teresa 

a teoria do verso
enxuto

vê-se
na partitura

da síncope
que a letra

contará

4
chorinho

o abismo era tudo

beira do mundo
beiradinha de buceta

e marulho

5
Sinhô

passeando por lá aqui
quem diz
é bom sim,
sinhô

notas?
o janota
de japona
lona,
deixa-me,
dona

seguir aqui ali
sem,
meu bem,

nenhum, algum
vintém
nem

6

quebra de asas
do urubu
malandro

que suinga
olhos
nos olhos

a moça
requebra

asas
e dança

7
maxixe

chapéu palheta
conversa pouca – um leve
aceno – e já
outra

8
tango

os cabarés
o crooner e a perna
aberta

da dançarina

desde a inércia da noite
fabricam-se rubras
bocas e passos

decididos

9
dancing

coxearam-se
as coxas

a dança
dançou o seu dançado

nutriu-se a imaginação
da orquestra

10
cartola

os antros
da
alma

batucam em
silêncio

a caixa
de fósforo

11
ciata

as pensões
pisam
pés

há ritmos há
átimos

de estrelas
(que cruzam)

espaços


12
piaf/jamelão 

o trágico da voz
destroça

as mãos tremem
e

o umbigo
é

em silêncio

§

de "doze estudos para marinhas"


tal o contraste
tal a espádua
entre as idades

que o arrepio
toca

um cello
um vento

velho

*

cais do desespero

mulheres
gritam verdes

países
neblinam olhos

pedem silêncio
constelamento

*

vasto era o pente
a mão
teclava vulgata

sobre a cadeira de palha
tocava guizos
a mulher

molhada

*

asas quase
asas

vestem este vento
quase vento

sopra
essa crina quase
nuvem

neste ar quase
sem ar

§

do livro lapa

das roupas ao abat-jour lilás
da marafona a língua os olhos
incitam fresta e trapos
nas ranhuras no telhado

§

nos teus peitilhos de maracujá
pouca barba levantar-te a saia
navalhada, para quem te queira
o desejo vagabundo de misérias

§

mangue minhas rugas onde dejetos fedem
ardor e sementes trouxeram no meio-fio
amalgamadas colombinas tb caco como ta
tear cancro cumular sevícias e baratas

§

o colar pelas rugas esta trouxa de sa
livas pelas ruas deguste passivo onde
intenção de minissaias e coxas firmes
dependurar pingentes falos aos peitos
fartos e no repentino gosto das joias

entre molambos

§

largo da carioca

um blues tocado a olho vesgo
praça bandeira e míngua
meu cabaret voltaire radical

lambuza feridas com a língua
e assopra dos teus olhos a cinza

um assombro no enfiar de agulhas
                       e cegar
                               o olho
                                       o blues
                                                os ovos

§

a rua caminha sob teus pés objetos
confusos miram e acatam a vista no
recompor de moeda uma cega te mira
bicuda enquanto levantas a saia va
gabunda solícita a dedos e lirismo

§

bidê

permite a tuas pernas o invólucro
das paixões os tapetes os guizos
na água morna roçam-se as coxas
ó desmensurado, concebe nos teus
cômodos nossa acre licenciosidade

.
.
.

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