Henrique do Valle foi um poeta brasileiro, nascido no Rio de Janeiro em 1958. Filho do jornalista e redator político João Luiz de Moura Valle e de Tarcila Goulart do Valle, o poeta era sobrinho do presidente João Goulart. Com 6 anos no momento do Golpe de Estado de 1964, conta a jornalista Cândida Schaedler que o episódio deixaria marcas profundas em sua vida, quando na noite de 31 de março de 1964 a casa onde a família se encontra é metralhada por forças dos militares golpistas e, no dia seguinte, seus pais são presos. A família, alguns dias depois, é conduzida ao exílio. Foi na Argentina que Henrique do Valle, com 15 anos, publicou seu primeiro livro em edição bilíngue: A espessa verdade / La espesa verdad (1968). Ainda na Argentina, chegou a trabalhar na revista Crisis, editada por Eduardo Galeano.
De volta ao Brasil, a família estabeleceu-se em Porto Alegre. Ali, ligado ao grupo de jovens poetas boêmios da capital gaúcha, Henrique do Valle publicou os livros Vazio na carne (1975), Anotações do tempo (1979) e Do lado de fora (1981). O poeta morreu em Porto Alegre em 1981, antes de completar os 22 anos, em um incidente que já foi descrito como overdose, suicídio e acidente trágico. Há poucos anos, seus livros e vários inéditos encontrados pela família e com amigos formaram o volume Obra Reunida (Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2014), organizado por Paulo Seben, que foi amigo do poeta. Poemas seus chegaram a ser portados em janelas de ônibus do Rio Grande do Sul.
A história dos jovens poetas mortos no Brasil é longa, ao menos desde os garotos do Romantismo, como Álvares de Azevedo e Castro Alves, que no entanto nos deixaram alguns belos poemas. No início do século 20, ainda que tenham chegado aos 30 anos, também nos deixaram cedo demais poetas como Augusto dos Anjos e Pedro Kilkerry. O ambiente de terror da Ditadura Civil Militar levaria Torquato Neto aos 28 anos de idade e Ana Cristina Cesar, aos 31. Pensar no que teriam feito ainda, em outras circunstâncias, é algo que nos levam a pensar os poemas que deixaram. Esta publicação dos textos de Henrique do Valle nos ajuda a resgatar uma parte daquela História, ainda tão mal contada. Os poemas que pude ler demonstram talento verdadeiro. Espera-se que uma possível antologia de seus melhores poemas possa ter maior circulação no país.
--- Ricardo Domeneck
De volta ao Brasil, a família estabeleceu-se em Porto Alegre. Ali, ligado ao grupo de jovens poetas boêmios da capital gaúcha, Henrique do Valle publicou os livros Vazio na carne (1975), Anotações do tempo (1979) e Do lado de fora (1981). O poeta morreu em Porto Alegre em 1981, antes de completar os 22 anos, em um incidente que já foi descrito como overdose, suicídio e acidente trágico. Há poucos anos, seus livros e vários inéditos encontrados pela família e com amigos formaram o volume Obra Reunida (Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2014), organizado por Paulo Seben, que foi amigo do poeta. Poemas seus chegaram a ser portados em janelas de ônibus do Rio Grande do Sul.
A história dos jovens poetas mortos no Brasil é longa, ao menos desde os garotos do Romantismo, como Álvares de Azevedo e Castro Alves, que no entanto nos deixaram alguns belos poemas. No início do século 20, ainda que tenham chegado aos 30 anos, também nos deixaram cedo demais poetas como Augusto dos Anjos e Pedro Kilkerry. O ambiente de terror da Ditadura Civil Militar levaria Torquato Neto aos 28 anos de idade e Ana Cristina Cesar, aos 31. Pensar no que teriam feito ainda, em outras circunstâncias, é algo que nos levam a pensar os poemas que deixaram. Esta publicação dos textos de Henrique do Valle nos ajuda a resgatar uma parte daquela História, ainda tão mal contada. Os poemas que pude ler demonstram talento verdadeiro. Espera-se que uma possível antologia de seus melhores poemas possa ter maior circulação no país.
--- Ricardo Domeneck
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POEMAS DE HENRIQUE DO VALLE
Autobiografia
Na hora morta do entardecer
eu recolho meus pedaços
pendurados no arco-íris
E quando a noite desce
eu rolo em meu leito
sonhando um sonho agreste
Depois, de manhã eu me acordo
berrando essa minha puta vida
que passa em brancas nuvens
§
Uma flor num buraco da calçada
quando soltaram os cachorros loucos
eu estava fazendo chá
de ervas do campo
e de repente o espanto
tremendo a chaleira
e bombeando medo
larguei as ervas e danado
precipitei-me à janela
de onde vi
enormes matilhas
com olhos cheios de negra espuma
a espuma invadia a rua
e abraçava os postes, que caíam
cheios de óleo e náusea
engolia as pessoas
que alucinadas
enchiam o ar de berros
depois os cachorros foram embora
eu voltei ao meu chá
e lá fora a solidão
e uma flor quase despercebida
§
Os morangos são eternos
Bem dentro dos teus olhos
numa galáxia silvestre
o hálito de mel
toca o infinito
nos mistérios e nos sonhos
Dentro deles a vida
esquece o tempo perdido
que as mãos não espremeram
Quem conhece Deus
sente as coisas internas
e é amigo dos morangos
que nunca morrem
§
Van Gogh
Não temas:
as estrelas e os pássaros
sorriem para ti
teu canto nunca morrerá
ele aponta nosso medo
a nossa falsa normalidade
mágico das tintas
ainda hoje as fadas
choram nossa estupidez
§
Desejo
eu queria ser
um afinador de pianos
e varar o inconsciente das teclas
§
Dor
E veio a dor
a miséria
o desespero.
E veio o vereador
prometendo um ranchinho aos indigentes.
Depois foi para casa trepou com a mulher
e mandou a empregada comprar um arenque defumado.
Faltou água na vila inteira
e isso é só uma gota aberta.
§
Do dia em que perdi tudo
até hoje
as coisas continuam iguais
e uma nuvem
cobre os acontecimentos
Do dia em que os gestos
arrancaram a vida
(metade dela)
fantasmas pálidos do medo
encarnaram em mim
Senhor estou precisando
tuas mãos
em meus olhos
§
Te chamei porque queria que guardasses
meus peixes e flores
agora que vou viajar.
Conhecerei novas terras, outras pessoas
e isso me enche de tanta alegria
que nem sei como expressar.
Prometo que te trarei presentes
e que te contarei tim tim por tim tim
tudo que passei.
Mas até eu voltar, dá uma força,
cuida bem dos meus peixes e flores.
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