Na série dedicada à Zoopoética, gostaríamos hoje de entretecer sua prática a nossa defesa do cancioneiro brasileiro como parte de nosso cânone poético maior. O poeta cearense Humberto Teixeira (1915-1979) foi, através da voz e sanfona de Luiz Gonzaga (1912-1989), um dos escritores mais cantados no país. "Assum preto"é uma obra-prima musical e de sensibilidade poética, perfeita em nossa investigação por uma possível empatia entre espécies, interligadas em seus destinos. A voz do cidadão do povo Homo sapiens torna-se a voz do cidadão do povo Gnorimopsar chopi. Humano, assum preto, assum preto, humano.
Assum preto
Humberto Teixeira
Tudo em vorta é só beleza
Sol de abril e a mata em frô
Mas assum preto, cego do zóio
Num vendo a luz, ai, canta de dô
Tarvez por ignorança
Ou mardade daspió
Furaro o zóio do assum preto
Pra ele assim, ai, cantá mió
Assum preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vezes a sina duma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá
Assum preto, o meu cantá
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amô
Que era a luz, ai, do zóio meu.
Assum preto
Humberto Teixeira
Tudo em vorta é só beleza
Sol de abril e a mata em frô
Mas assum preto, cego do zóio
Num vendo a luz, ai, canta de dô
Tarvez por ignorança
Ou mardade daspió
Furaro o zóio do assum preto
Pra ele assim, ai, cantá mió
Assum preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vezes a sina duma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá
Assum preto, o meu cantá
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amô
Que era a luz, ai, do zóio meu.
Como nos ensinou Paul Zumthor, a mudança entre os registros oral e escrito traz consequências a qualquer texto. Eu sinto "Assum preto" perfurar tanto meus olhos quanto meus ouvidos em dor comum. Poema.
O estudioso suíço da tradição oral também nos ensinou que a própria autoria do texto transmuta-se ao ser cantada. O performer o escreve no momento em que o vocaliza. Portanto, à autoria de Humberto Teixeira, unimos aqui duas outras autorias: a do próprio Luiz Gonzaga, que a musicou, e a de Gal Costa, que fez do assum preto seu próprio ser, junto de Teixeira e Gonzaga, na duração desta gravação inesquecível, de um arranjo tão esparso que mimetiza a pobreza da existência do assum preto cego e do ser amoroso em frangalhos, todo obcecado (do latim: obcaecare, cegar, ofuscar).
O estudioso suíço da tradição oral também nos ensinou que a própria autoria do texto transmuta-se ao ser cantada. O performer o escreve no momento em que o vocaliza. Portanto, à autoria de Humberto Teixeira, unimos aqui duas outras autorias: a do próprio Luiz Gonzaga, que a musicou, e a de Gal Costa, que fez do assum preto seu próprio ser, junto de Teixeira e Gonzaga, na duração desta gravação inesquecível, de um arranjo tão esparso que mimetiza a pobreza da existência do assum preto cego e do ser amoroso em frangalhos, todo obcecado (do latim: obcaecare, cegar, ofuscar).
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