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Zoopoética: Mário Chamie e o cervo

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Na série dedicada à Zoopoética, um texto de Lavra Lavra (1962), o histórico livro de Mário Chamie (1933–2011). Trata-se de "Cervo, servo", ainda que outros textos do livro pudessem comparecer aqui. Debruçado sobre a vida e o vocabulário das fazendas, sítios e a existência agrícola do interior do país, em especial a que se vê nas regiões interioranas de estados do Sudeste e Centro-Oeste, Mário Chamie criou uma obra bastante única neste trabalho, infelizmente ainda pouco lido devido às trincheiras criadas entre os machos-alfa das neovanguardas do pós-guerra. Como a coexistência entre o Homo sapiens e as espécies que com ele convivem diariamente já apareceu por aqui em textos como o de Carlos Drummond de Andrade e João Guimarães Rosa, escolhemos este no qual comparece um cervo, dos povos selvagens que vivem ainda às franjas das fazendas, em convivência conflituosa com os que não aceitam sua não-domesticação. O cervo é um animal geralmente associado à paisagem do Hemisfério Norte, mas do qual algumas espécies são habitantes milenares da paisagem do território, como o veado-campeiro ou suaçutinga (Ozotoceros bezoarticus) e o maior deles, o cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus), também conhecido como veado-galheiro e, pelos povos ameríndios, como suaçuetê, suaçupu, suaçuapara ou guaçupuçu. Agradecemos a Matheus de Souza Almeida por chamar nossa atenção para a possibilidade de ler Lavra Lavra nesta clave. 

Cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus)

Cervo, Servo
Mário Chamie

1.
           E vem: som em torno,
rumorações de margem, várzea vagido
                 entre o mato
de onde o mato cerca       rinha menor
                   de vinda.

           Refém: já muxoxo,
convocações de talos, talhos rangidos
                 entre o pasto
de onde o pasto fecha       largo maior
                    de lida.

           Também: alto vôo,
movemenções de asas, vácuos movidos
                 entre o vasto
de onde o vasto cobre       casa menor
                    de vista.

           Contém: surdo gemer,
inquietações de choro, tosco pedido
                 entre o salto
de onde o salto abre       fuga maior
                    de chispa.

           Fuga: mulo correr,
cabritações de gamo, ganho corrido
                 entre o casco
de onde o casco toca       corpo motor
                    de vida.

2.

Pára: antes do cerco
indo, vinha fechando
o cervo, círculo do medo.

Anda: então o cerco
vindo, ia mirando
o alvo, trêmulo no erro.

Volta: e logo o cervo
vendo, move correndo
os cornos, garras de lenho.

Fica: mas sem defesa
deixa o corpo à vista
o servo, perdida presa.

3.

            Chifres, move-se a cabeça:
varas e luz no crânio, olhos marca
                         na testa
porque a testa mostra         liso gesto
                         de nesga.

            Galhos, une-se o feixe:
nervos e veios na anca, fibra óssea
                         na coxa
porque a coxa invoca         pulo salto
                         de mola.

            Olhos, trinca-se a fenda:
claros sóis na vista, vítreo pátio
                         na treva
porque a treva ensombra         fero golpe
                         de fera.

            Listas, risca-se o corpo:
linhas e véu na pele, mancha nódoa
                         no peito
porque o peito enverga         malho risco
                         de relho.

            Tiros, chumba-se o lombo:
ecos e voz no campo, sangue poça
                         no mato
porque o mato marca         pista passo
                         de pata.

            Laços, prende-se a presa:
suor e dó na cara,         cacto lasca
                         na cerca
porque a cerca espinha        prego farpa
                         de lenha.

            Queda, queda-se o servo:
chifres e me na tarde, trégua baque
                         do corpo
porque o servo tomba         fardo peso
                         de morto.


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