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Três poemas de "Os Ilhados", novo livro de Ismar Tirelli Neto

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Ainda neste semestre, a editora carioca 7Letras lança Os Ilhados, terceiro livro de Ismar Tirelli Neto (Rio de Janeiro, 1985). A Modo de Usar & Co. adianta aqui três textos.



O Pulôver

Este é meu pulôver favorito
sem um retrato
do meu pulôver favorito.
Roçam-se os puídos no trem,
caminho do trem,
parado no cabideiro.

Parado no cabideiro
(ponto
de onde não se pode mais recuar
sem resvalar-se pela metafísica)
ele não faz
vagão,
rampas de concreto
do outono para o inverno,
nada.

Parado no cabideiro,
o pulôver não é senão
uma trama, uma entre tantas.

Neste pormenor, lembra um pouco
uma valise prateada
que me pediram certa vez para olhar.

Sob os pés de outra pessoa,
já não sei que cor teria.

Desnecessário dizer.
Desnecessário dizer.

§

Isto Vai Mal” (Segunda Fantasia Acerca da Dignidade dos Homens)

Os homens continuaram a tomar o bonde.
Extintos os bondes, os homens continuaram
a tomar o bonde.
Extintos os homens, continuaram
com andaimes pendurados,
enfileirando-se ante guichês,
espalhando sobre o balcão os tostões
resfolegantes, cobertos de suor, indagam ainda da saúde de parentes,
amargam a descoberta de que certos bibelôs tidos como
inestimáveis deveres de um eco vão
cotados a preço de banana no mercado de antiguidades,
descobrem que as antiguidades são, antes de mais, mercado,
moram, mercadejam, amam ainda
que extintos os homens, definitivamente extintos
os meus dias de grande salonnière,
posso agora ocupar-me dessa questão:
que espécie de futuro toca aos homens
com andaimes pendurados?
Isto vai mal, isto vai mal.
Cobertas de onça, louras montanhosas
deixam o restaurante, crianças descaram, tossem
sobre a nova fornada de pães,
alguém – um estudante – seria lógico– acaba
de perguntar se a eletricidade já voltou ao campus,
o trocador vai mastigando sua piada de sucuri
até o ponto final,
então despencavam, despencávamos para a rua.
Os homens fazem despencar.
Tudo isto os homens fazem despencar.
Exausta literatura de Vans, ônibus, catamarãs,
exausta literatura de guichês de que
nunca exorbitamos, o abate do hábito –, a outorga do outro –,
dançavam ainda os homens duramente em duros aros,
quando e se dançavam, a tudo despencando,
pelas praças concretadas, ensombravam na entrega,
enganavam-se quanto ao código postal.
Isto vai mal, já não pode haver dúvida, isto vai mal.
Por todo o trajeto de volta
mastigavam fantasmas e ilhas, não se afazem, não conseguem
formular uma hipótese quanto ao que virá depois
de apartamentos, no azul noticiário
jantavam os homens como jantam ainda,
continuaram trocando de canal, continuam
detidos, continuam
detidos diante de uma imagem em câmara lenta,
a imagem de um esquiador a saltar de uma rampa,
continuavam observando o esquiador
e seu salto para além de qualquer contexto,
transferindo para o monitor os belos desusos do homem,
uma ideia de pureza, uma ideia de “gasto”,
pelo canto inferior direito
os homens continuavam reaparecendo, repovoando
a imagem a cada replay,
os homens aplaudiam,
aplaudiam a aterrissagem perfeita,
os homens pensavam “os deveres de um eco

§

Todas as histórias, mesmo aquelas que não vão muito além de seus próprios desvios”

Longo tempo sem compreender a doçura com que me falavam as debacles.

Incrustação de turistas na praça em outrem idioma –, impermeáveis bege, obstinados no outono, ninguém

chegaria a um acordo.

Todas as histórias, mesmo aquelas que não vão muito além de seus próprios desvios, precisam ambientar-se em alguma parte.

A questão que se põe – em que região do olho transcorre esta que acabamos de contar? No branco, no azul?

Uma vez desligado o abajur,

que é feito do homem forte que nos olhava diretamente ao umbigo? Da amiga que, sendo a última a deixar o escritório às quintas, precisa atravessar sozinha os mais longos corredores, cuida

que as sombras não

respinguem?

De uns trens
quando havia dois nadas
dois ou mais nadas
de uns trens que dividiam-no em dois
parentes remotos que viveram e morreram numa estação ferroviária azul

A questão que se põe –

O que fazer o que fazer das memórias de infância daqueles que não nos amam, dos que não alcançamos amar

Senão as mesmas palavras de onde nos lançamos
Todos os dias

repatriadas



§


§

sobre o autor

Ismar Tirelli Netoé um poeta e prosador brasileiro, nascido no Rio de Janeiro em 1985. Lançou os livros Synchronoscopio (Rio de Janeiro: 7Letras, 2008) e ramerrão  (Rio de Janeiro: 7Letras, 2011). Os poemas acima foram extraídos de Os Ilhados (Rio de Janeiro: 7Letras, no prelo).

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