Dina Salústioé uma poeta e prosadora cabo-verdiana, nascida Bernardina Oliveira em Santo Antão, Cabo Verde, em 1941. Trabalhou como professora, assistente social e jornalista em Cabo Verde, Portugal e Angola. É membro e foi uma das fundadoras da Associação dos Escritores Cabo-verdianos, e das revistas Mudjer e Ponto & Vírgula. Publicou o livro de contos Mornas eram as noites (1994), o romance A louca de Serrano (1998), e teve poemas incluídos em várias antologias, entre elas Mirabilis de veias ao sol: Antologia dos novíssimos poetas cabo-verdianos.
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POEMAS DE DINA SALÚSTIO
Por que havias de chegar
Por que havias de chegar
num dia enevoado de bruma
nessa manhã de vento forte que me roubou
a (minha) máscara?
Por que havias de entrar
num dia de porta aberta
e me surpreender nua
a um canto tiritando
procurando confusa os trapos
para me tapar?
Por que nesse maldito dia
em que desprevenida
lavava uma saudade
e arrumava a um canto
um tempo que me doía?
Por que terias que me abraçar
e me chamar mulher
e abrir a janela e inventar um sol,
sussurrar uma canção?
Para quê?
Se foi o tempo de um cigarro?
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Éramos eu e tu
Éramos eu e tu
Dentro de mim
Centenas de fantasmas compunham o espectáculo
E o medo
Todo o medo do mundo em câmara lenta nos meus olhos.
Mãos agarradas
Pulsos acariciados
Um afago nas faces.
Éramos tu e eu
Dentro de nós
Suores inundavam os olhos
Alagavam lençóis
Corriam para o mar.
As unhas revoltam-se e ferem a carne que as abriga.
Éramos tu e eu
Dentro de nós.
As contracções cada vez mais rápidas
O descontrolo
A emoção
A ciência atenta
O oxigénio
A mão amiga
De repente a grande urgência
A Hora
A Violência
Éramos nós libertando-nos de nós.
É nossa a dor.
São nossos o sangue e as águas
O grito é nosso
A vida é tua
O filho é meu.
Os lábios esquecem o riso
Os olhos a luz
O corpo a dor.
A exaustão total
O correr do pano
O fim do parto.
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