Quantcast
Channel: modo de usar & co.
Viewing all articles
Browse latest Browse all 866

Poema inédito de Philippe Wollney

$
0
0
Na série de inéditos, um texto do poeta pernambucano Philippe Wollney (n. 1987).



morrer de luz

i.

{às 8h15
em 6 de agosto de 1945
do ventre do enola gay
desliza little boy
feito de urânio}
sobre nós
num banco da praça
aproveitando
a última manhã juntos
o vento trazendo
o cheiro de ontem
que se solta
de teus cabelos
o suor das minhas mãos
enlambidos nas suas
{estávamos em guerra
mas eu
tímido e débil
só servia para o sexo
e para literatura
até eles começarem a convocar
os tímidos e débeis
da literatura}
“o sol havia caído
sobre nós”
nossos órgãos internos
ferveram
nossos ossos
se carbonizaram
os átomos
se desvincularam
e uma mancha
é o nosso vestígio
numa manhã
de ódio, medo
e de amor


ii.

choveu radionuclídeos de césio-137
naquela madrugada
eu sempre soube
que essa merda toda
iria nos fuder
aquele cheiro nauseabundo
de betume
enquanto eu te encharcava
e morria ali
sempre morria em ti
nós condenados
a morrermos sangrando
pelos poros
desagregando cromossomos
nosso sangue virando água
ou emboluados de câncer
eu queria morrer em ti
eu queria continuar morrendo
dentro de ti
me liquefazendo dentro de ti
no abrigo
há material radioativo fundido
escrever um poema moribundo
com a tóxica luminescência das eras
{sobre o quarto bloco
da central elétrica nuclear
será erguida a Arca
que será a maior sepultura da humanidade
com 18 mil toneladas de aço}
se eu pudesse
se eu ainda pudesse
pixaria no concreto
“eu só queria morrer dentro de ti”
abandonamos a casa
a cidade, perdemos
os livros e as canções
e eu só queria morrer dentro de ti
naquela madrugada de abril de 86
mas morri mesmo, foi
com a carne explodindo
dentro de mim


iii.

Hibakusha
significa : sobreviventes da bomba
e têm alguns que sobreviveram
às duas explosões
é como resistir duas vezes
a um tiro na nuca, é como ver o sol
cair duas vezes no abismo do olhar
/
/
há muitos outros
espalhados por aí
do Cazaquistão às Ilhas Marshall
onde a luz devora a carne
e traga sua taça de fumo
              /
              /

,,,,,,,,,,,,?,,,,,,,,,,,,
,            
naquele fim de inverno de 2011
a morte novamente exalou o seu cheiro
e a minha carne não mais suporta
a falta da tua carne
e na baía de Fukushima
escrevo na areia o teu nome
e nas águas com plutônio
não há canto de sereia
apenas o chorar das baleias
e a minha carne
que não suporta mais
a falta da tua carne
aguarda o dreno dos dias
e os meus olhos de chumbo
que não suportam mais
a falta da tua carne
que não aguentam mais
o cinza da minha carne
sobrevivem
à lama
ao pó
e à luz


§


§

sobre o autor 

Philippe Wollneyé um poeta contemporâneo brasileiro, nascido na cidade de Goiana, Pernambuco, em 1987. Publicou o livro Poemas de um eu cretino ou O espelho da coruja (2012), e tem poemas publicados em antologias como Antologia Poética Goiana Revisitada (Silêncio Interrompido, 2012) e Cem Poetas Sem Livros (2009), assim como na revista Musa Rara. Publica trabalhos ainda pelo selo Porta Aberta

.
.
.

Viewing all articles
Browse latest Browse all 866

Trending Articles


Girasoles para colorear


mayabang Quotes, Torpe Quotes, tanga Quotes


Tagalog Quotes About Crush – Tagalog Love Quotes


OFW quotes : Pinoy Tagalog Quotes


Long Distance Relationship Tagalog Love Quotes


Tagalog Quotes To Move on and More Love Love Love Quotes


5 Tagalog Relationship Rules


Best Crush Tagalog Quotes And Sayings 2017


Re:Mutton Pies (lleechef)


FORECLOSURE OF REAL ESTATE MORTGAGE


Sapos para colorear


tagalog love Quotes – Tiwala Quotes


Break up Quotes Tagalog Love Quote – Broken Hearted Quotes Tagalog


Patama Quotes : Tagalog Inspirational Quotes


Pamatay na Banat and Mga Patama Love Quotes


Tagalog Long Distance Relationship Love Quotes


BARKADA TAGALOG QUOTES


“BAHAY KUBO HUGOT”


Vimeo 10.7.0 by Vimeo.com, Inc.


Vimeo 10.7.1 by Vimeo.com, Inc.