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Sheila Chandra

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Sheila Chandraé uma cantora e poeta vocal britânica, de ascendência indiana, nascida em Londres em 1965. Fez parte da banda Monsoon, antes de passar a dedicar-se à carreira solo, trabalhando com sua forma de extended vocal technique, incorporando estruturas do raga indiano e do folk britânico. 

Lançou os álbuns Out on My Own (1984), Quiet (1984), The Struggle (1985), Nada Brahma (1985), Roots and Wings (1990), Weaving My Ancestors' Voices (1992), The Zen Kiss (1994) e ABoneCroneDrone (1996), entre outros. Com a Ganges Orchestra, lançou o álbum This Sentence is True (The Previous Sentence is False). Foi divulgado que Sheila Chandra desenvolveu glossodinia em 2010, forçando-a a aposentar-se. Mas sua voz queima ainda em nossa boca.


Só voz e nonsense até 27 de outubro.
Ouça.

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Demetrio Stratos (1945 – 1979)

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Demetrio Stratos foi um poeta vocal, cantor e multi-instrumentista, nascido em Alexandria, de pais gregos, a 22 de abril de 1945. Em 1967, mudou-se para Milão, naturalizando-se italiano mais tarde.



Em 1972, funda na Itália o grupo Area. Em 1978, já nos Estados Unidos, passou a se dedicar exclusivamente à pesquisa vocal, trabalhando, entre outros, com John Cage, Merce Cunningham, Lucio Battisti, Juan Hidalgo, Walter Marchetti, Tran Quang Hai, Andy Warhol, Grete Sultan, Paul Zukofsky, Nanni Balestrini, Claude Royet-Journoud, e Antonio Porta.



Em 1979, com 34 anos, Stratos foi diagnosticado com anemia aplástica, vindo a morrer em Nova Iorque a 13 de junho de 1979, enquanto esperava um transplante. Sua morte foi uma das maiores perdas da tradição e pesquisa vocais do século XX.


Só voz e nonsense até 27 de outubro.
Cante junto.

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Björk Guðmundsdóttir - "Amphibian" (1999)

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Só voz e nonsense até 27 de outubro. Hoje, o poema vocal "Amphibian", da skald islandesa Björk Guðmundsdóttir (Reykjavic, 1965). As poéticas vocais mostram a língua à língua.



Mais da poeta, mundialmente conhecida como Björk, na postagem dedicada a ela aqui na Modo de Usar & Co., com um ensaio/panfleto ainda sobre a tradição multimedieval. Abaixo, o texto-partitura.


Amphibian

Voz à esquerda:

bidur loff

ah-aha-oooooow

aaaaaaaahhhhhh
aaaaaaaah
sem
woooo-ooooh

bidur loff

ah-aha-oooooow

aaaaaaaahhhhhh
aaaaaaaah
sem
woooo-ooooh

woo-woo-woo-ooh-ooh-aahh
aaaahhhhhhhhhhhh
woo-woo-caa
all semm un twee-wee
eeee
eee
vil see uheeeeeeee
eeeeeee


Voz ao centro:

allt semm engin
et sa lat
sem too see tod
en all ju
sed alliday to see ha
all
allt se la
ehhhhhhhh
woooooo-ooooooo-ooooooo
woooooo-ooooooo-ooooooo
all semm
woooooo-ooooooo-ooooooo

doooooo-ooooooo-ooooooo

semm

en semm alay-ahhhh
ooow-oooh
semm all doo-woo-ooooooh
ooooooh
aaaaahhhh
seeee
en semm alay-ahhhh
eeeeeee

allt semm engin
et sa lat
sem too see tod
en all ju
sed alliday to see ha
all
allt se la
ehhhhhhhh

woooooo-ooooooo-ooooooo
woooooo-ooooooo-ooooooo
all semm
woooooo-ooooooo-ooooooo

doooooo-ooooooo-ooooooo

semm

en semm alay-ahhhh
ooow-oooh
semm all doo-woo-ooooooh
ooooooh
aaaaahhhh
seeee
all semm alay-ahhhh
eeeeeee
ther as
uh-uh-uh-uh-uh-uh

leeeeeeeeeeee

eeeeee
aaaaaahhhhhhhh


Voz à direita:

bidur la ya ke la
tell thay
ah-engin
share

allt semm
engin share
mali
all
semm
ala-le

ende
enali bed

ahhhh-ahhh sem alli
ther-wooooo
ahhhh ooo-ooh
aaaaaaaaahhhhhh
sem ali
eeeeeee

bidur la ya ke la
tell thay
ah-engin
share

allt semm
engin share
mali
all
semm
ala-le

ende
enali bed
wooo-oooh
ahhhh-ahhh sem alli
ther-wooooo
ahhhh ooo-ooh
aaaaaaaaahhhhhh
sem ali
eeeeeee
ther as
uh-ah-ah-uh-doo-woo-ooh
un
all dens on
tin day al sen
call say
ah
all sem de
all se



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Diamanda Galás

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Só voz e nonsense até 27 de outubro. Enquanto dois lados da trincheira de uma guerra que recusamos nos ameaçam com o apocalipse, sabemos que o mundo já acabou muitas vezes, para muitos, o mundo, em suma, acaba. Diamanda Galás e sua "Exeloyme", ao vivo, em 1986. Uma missa às avessas para vosso domingo.


Diamanda Galásé uma artista vocal e compositora norte-americana, de ascendência grega, nascida San Diego, na Califórnia, em 1955. Colaborou com compositores como Iannis Xenakis, Vinko Globokar e John Zorn, e foi ainda uma importantíssima ativista contra a epidemia da AIDS nos anos 80, contra o completo abandono de um governo cínico, sofrido pela comunidade homossexual e de outros marginais. O irmão de Galás viria a morrer durante a praga.



Já musicou e vocalizou textos de Kaváfis, Pasolini, Lorca, entre outros poetas. Abaixo, sua vocalização para "Supplica a mia madre", de Pasolini.
  
 

Sua discografia inclui The Litanies of Satan (1982), The Divine Punishment (1986), Saint of the Pit (1986), You Must Be Certain of the Devil (1988), Vena Cava (1993), Defixiones, Will and Testament (2003) e Guilty Guilty Guilty (2008). É uma das mais importantes artistas vocais vivas hoje. É uma das mestras favoritas aqui da casa.


OUTROS POEMAS VOCAIS DE DIAMANDA GALÁS



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Hermeto Pascoal - "Quebrando Tudo"

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Só voz e nonsense até 27 de outubro. Hoje, esta incrível peça de Hermeto Pascoal, que logra ser, ao mesmo tempo, poesia vocal, sonora, do nonsense, dadaísta. Língua que quebra tudo.


Hermeto Pascoal dispensa apresentações, mas é sempre um mantra repetir o nome do município onde nasceu: Hermeto Pascoal nasceu em Olho d'Água das Flores e Olho d'Água das Flores fica em Alagoas, em 1936 foi que Hermeto Pascoal nasceu em Olho d'Água das Flores. Olho d'Água das Flores.

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Yãmîy yõg Mõgmõka (Canto Maxakali)

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Voz, só voz até 27 de outubro, voz para ouvidos moucos.



Yãmîy yõg Mõgmõka(Canto do Gavião)

hox hax moh

xônnênãg ita
xônnênãg ita
kãyã ta kã xîp
kãyã ta kã xîp

xônnênãg ita
xônnênãg ita
kãyã ta kã xîp
kãyã ta kã xîp

kãyã ta kã xîp
kãyã ta kã xîp

xônnênãg ita
xônnênãg ita
kãyã ta kã xîp
kãyã ta kã xîp

xônnênãg ita
xônnênãg ita
kãyã ta kã xîp
kãyã ta kã xîp

hoix hax yaahi
hiya a a ah iih
hi ah iaaiiiih

xônnênãg ita
xônnênãg ita
kãyã ta kã xîp
kãyã ta kã xîp

xônnênãg ita
xônnênãg ita
kãyã ta kã xîp
kãyã ta kã xîp

kãyã ta kã xîp
kãyã ta kã xîp

hox hax moh



Versão minha, trabalhada a partir da tradução de Charles Bicalho.

hox hax moh

em pé o pai do filho
em pé o pai do filho
a cobra nos ombros
a cobra nos ombros

em pé o pai do filho
em pé o pai do filho
a cobra nos ombros
a cobra nos ombros

a cobra nos ombros
a cobra nos ombros

em pé o pai do filho
em pé o pai do filho
a cobra nos ombros
a cobra nos ombros

em pé o pai do filho
em pé o pai do filho
a cobra nos ombros
a cobra nos ombros

hoix hax yaahi
hiya a a ah iih
hi ah iaaiiiih

em pé o pai do filho
em pé o pai do filho
a cobra nos ombros
a cobra nos ombros

em pé o pai do filho
em pé o pai do filho
a cobra nos ombros
a cobra nos ombros

a cobra nos ombros
a cobra nos ombros

hox hax mo

§

Tradução de Charles Bicalho:

hox hax moh

o pai do filhinho está em pé
o pai do filhinho está em pé
com a cobra no pescoço/ombro
com a cobra no pescoço/ombro

o pai do filhinho está em pé
o pai do filhinho está em pé
com a cobra no pescoço/ombro
com a cobra no pescoço/ombro

com a cobra no pescoço/ombro
com a cobra no pescoço/ombro

o pai do filhinho está em pé
o pai do filhinho está em pé
com a cobra no pescoço/ombro
com a cobra no pescoço/ombro

o pai do filhinho está em pé
o pai do filhinho está em pé
com a cobra no pescoço/ombro
com a cobra no pescoço/ombro

hoix hax yaahi
hiya a a ah iih
hi ah iaaiiiih

o pai do filhinho está em pé
o pai do filhinho está em pé
com a cobra no pescoço/ombro
com a cobra no pescoço/ombro

o pai do filhinho está em pé
o pai do filhinho está em pé
com a cobra no pescoço/ombro
com a cobra no pescoço/ombro

com a cobra no pescoço/ombro
com a cobra no pescoço/ombro

hox hax mo

§

Mais sobre a poética dos Maxakali aqui na Modo de Usar & Co.

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Gil J. Wolman - "Trits"

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Só voz e nonsense até 27 de outubro.



Gil J. Wolman (1929 – 1995) foi um poeta, cineasta e artista visual francês, ligado ao movimento dos Letristas, da Internacional Letrista e mais tarde da Internacional Situacionista, dos quais seria invariavelmente expulso. Um favorito aqui da casa. Leia mais sobre ele na postagem dedicada a seu trabalho aqui na Modo.


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Vladimir Martynov em composição sobre poema de Velimir Khlebnikov

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O compositor russo Vladimir Martynov (Moscou, 1946) em composição vocal sobre poema de Velimir Khlebnikov (1885 - 1922). Só voz e nonsense até 27 de outubro. Zaoum!


Velimir Khlebnikov (1885 - 1922)

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Bem-te-vi de Pernambuco & Passarinho de Alagoas

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Bem-te-vi de Pernambuco& Passarinho de Alagoas são grandes representantes da embolada, pertencendo não só ao melhor da tradição oral brasileira, como as emboladas acima são exemplo ainda de nossa tradição satírica, algo que o país produz em generosa quantidade, ainda que os santíssimos enfants terribles de cinquenta anos estejam poundificados demais para ouvir. Será que não tivemos dadaísmo porque não precisávamos? Porque já tínhamos Qorpo-Santo, Sapateiro Silva e, no século XX, Bem-te-vi de Pernambuco & Passarinho de Alagoas? Uma possibilidade. Por nossa conta e risco, seguimos ouvindo vozes.


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Ella Fitzgerald (1917 — 1996)

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Só voz e nonsense: a técnica do scat singing, do qual Ella Fitzgerald se fez mestra.



O scat singing já foi unido por estudiosos da tradição oral a várias práticas, comoport a beul escocês ou o canto gutural mongol. Nós o ligaríamos ainda à poesia fonética dadaísta e ao zaoum russo. Voz e nonsense. 


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A tradição poética basca conhecida como Bertsolaritza

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Bertsolaritzaé uma tradição poética oral do povo basco. Canção ou também desafio entre poetas orais, chamados bertsolaris, a tradição se assemelha ao repente brasileiro. Extremamente popular no País Basco, demonstra a saúde contemporânea da tradição oral e da poesia em geral em tantas partes do mundo.

Uma das formas mais comuns é o zortziko txiki, ou "pequeno de oito", com a primeira linha formada por oito sílabas, seguida de uma linha de sete sílabas. Este par de linhas ou versos é chamado de puntu, quatro deles formando uma estrofe. Outro, o zortziko handi ou "grande de dez", é formado por pares de 10 e 8 sílabas. Um dos mais conhecidos e um dos primeiros registrados foi Pernando Amezketarra (1764 - 1823). Outro bertsolari famoso foi Jose Manuel Lujanbio Retegi (1860 - 1936), conhecido como Txirrita.

Txirrita (1860 - 1936)

Um conhecido bertsolari contemporâneo, surgido nos anos 90, é Andoni Egaña (n. 1961). Por muitos anos uma tradição masculina, no novo século passou a ser praticada também por mulheres, uma das mais famosas sendo Maialen Lujanbio, a primeira a ganhar uma competição.

Maialen Lujanbio (n. 1976)

Os bertsos podem tanto ser satíricos, eróticos como políticos, como foi o caso da série conhecida como "Muñagorriren bertsoak", ou "Bertsos de Muñagorri", lançada pela facção de José Antonio Muñagorri em 1838, durante a Primeira Guerra Carlista, numa tentativa de terminar o conflito.

Encontrei este exemplo, a primeira estrofe do bertso"Aitorren Izkuntz Zarra", do bertsolari Z. Andonegi:

Aitorren izkuntz zarra
nai degu zabaldu
munduaren aurrean
gizonki azaldu
baldin gure zainetan
odolik badegu
euskaldunak euskeraz
itz egin bear degu.

Uma tradução livre seria (com auxílio da tradução para o inglês):

Velha língua de Aitor
queremos espalhar
perante o mundo todo
corajosos a cantar
enquanto nossas veias
sangue possuírem
nós bascos em basco
hemos de falar

(N.: Aitor é o mítico patriarca dos bascos)

Após ganhar a competição em 2009, Maialen Lujanbio cantou esta Txapeldunaren Agurra, ou "Despedida do Vencedor", que escolhemos para encerrar.



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Alva Noto feat. Anne-James Chaton - "uni acronym"

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Nestes últimos dias, soam umas vozes muito altas, vindo de duas campanhas, mas a única coisa que dá para entender do que falam é isso:


"uni acronym" (2011), poema verbivocovisual
- colaboração entre Alva Noto e o poeta sonoro francês Anne-James Chaton



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Canto Mbyá Guarani - "A terra que se abre como flor"

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Neste domingo, 26 de outubro de 2014, este canto dos Mbyá-Guarani, em tradução de Douglas Diegues e Guillermo Sequera.

Menino guarani em foto de Carlos Penteado


A terra que se abre como flor

Vamos nessa vamos partir dessa terra
Vamos nos mandar
Para que os filhos desta terra
Terra de sofrimentos
Os poucos Mbyá que sobrem sobre ela
Fiquem numa boa.
Eles dirão:
Ficamos numa boa.
Estamos numa boa.
A terra se abre como flor.
Todos podem ver
Nossa pequena família numa boa.
Alimentos brotam por encantamento para nossas bocas.
Queremos
Encher a terra de vida
Nós os poucos (Mbyá) que sobramos
Nossos netos todos
Os adandonados todos
Queremos que todos vejam
Como a terra se abre como flor.

§

tradução de Douglas Diegues e Guillermo Sequera, in Cantos ameríndios (Rio de Janeiro: Azougue, 2012).











Poema inédito de Ederval Fernandes

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Na série de inéditos da Modo de Usar & Co., um poema de Ederval Fernandes.



Da minha boca

a vertigem
do dia são estas
horas:

luz e fogo
levando
embora a noite
calma.

um nada
no nada,
meu adágio
sai e segue.

e um deus (morto)
bebe um café
comigo.

 *

“perigo”,
ele me diz,
“não sou eu,
amigo,
o infeliz
que te trouxe
ao veneno”.

eu sei, eu
digo,
desde pequeno

(cravado
no umbigo)
trago comigo

este jogo
de ases.

e não
vou, eu sei,
fazer
as pazes:

se as fiz,
eu falhei.

 *

do som,
quero a canção;
da mão

(é verdade),
quero e não sei
a liberdade.

não da forma
oca - o veneno
é da boca.

se a língua
portuguesa
é pouca,

isto não é
problema?

não aqui,
assim,
no meu poema.

§

sobre o autor

Ederval Fernandesé um poeta brasileiro, nascido em Feira de Santana, Bahia, em 1985. Seu livro Conta Corrente, sua primeira coletânea de poemas, será lançado pela editora Sarò no começo de 2015. Ederval Fernandes vive e trabalha em Feira de Santana.

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Marcello Sahea - "onde?" (2014)

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Marcello Sahea - "onde?" (2014)

digital video, 2'55"
2014
Poema visual: Marcello Sahea
Voz: Marcello Sahea & Mariana Collares (melodia inspirada em canto kaiowá)
Direção de arte, Edição e Mixagem: Marcello Sahea
____________________Veneno Design

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Poema inédito de Laura Erber

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Na série de inéditos, um texto de Laura Erber, de um livro em andamento.




Um homem fala do que não fica

um homem fala do que não fica do que não volta do que
                 [se alastra do interior
um homem faz o círculo e erra
um homem constrói uma canoa e some
um homem seus adendos suas carícias
um homem as pálpebras se abrindo
um homem talvez eremita talvez desmaie
um homem na proa velho cisne magoado
um homem loa após loa recobrando a antiga fé
um homem de mansinho
um homem príncipe do azar
um homem em certos momentos
um homem apenas isso
um homem que finge que dorme
um homem atrevido cauteloso mas atrevido
um homem regateia
um homem desce à Terra
um homem em dúvida
um homem e depois
um homem letárgico
um homem doce contrariado
um homem embaralha as cartas
um homem sem estrondo sem cartilha
um homem um pouco de febre
um homem matemática lenta
um homem o contrário do destino
um homem para uma viagem só
um homem cheio de tralhas
um homem no capinzal
um homem se afasta
um homem coloca mayonnaise em tudo
um homem vive com um cão dentro de um buraco
                 [dentro de um túnel
um homem vagamente um homem que conheci um dia
um homem mata se mata não morre se aborrece morre
um homem por intermédio
um homem solto no espaço
um homem o que fez o azar com a sua vida
um homem espirra de um jeito
um homem se quiser deixar uma mensagem
um homem de volta
um homem apara o bigode e sangra
um homem vende biscoitos amanteigados demais
um homem em grupo
um homem urso
um homem sem fim
um homem como havia sido
um homem conversível
um homem de costas
um homem tão só
um homem brinca como um gato brinca com um rato
um homem frio fundo falso
um abominável homem das neves
um homem sino rachado
um homem uma vida inteira
um homem entornado
um homem doce cristalizado
um homem Segundo Império
um homem quieto
um homem das cavernas pintadas
um homem perdido no labirinto de promessas diferidas
um homem sua outra vida com outros homens
um homem seus remorsos seus pruridos seu Trabant
                 [azul cobalto
um homem brando viaja como um bárbaro não sei ler
                 [a dor em seus olhos
um homem circulando no meu corpo
um homem apesar de tudo
um homem basta
um homem recebe apaga
de vez em quando
respira comigo

§

sobre a autora

Laura Erberé uma poeta, romancista e artista visual brasileira, nascida no Rio de Janeiro em 1979. Publicou as coletâneas de poemas Insones (2002), Celia Misteriosa (2007) - em parceria com Federico Nicolao e Koo Jeong, Os corpos e os dias (2008) - publicado originalmente em edição bilíngue português/alemão como Körper und tage (Merz-Solitude, 2006), em tradução de Timo Berger; Vazados & Molambos (2008) e bénédicte vê o mar (Editora da casa, 2011), além do romance Esquilos de Pavlov (2013). Laura Erber vive e trabalha no Rio de Janeiro.

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Poema inédito de Rubens Akira Kuana

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Hoje, na série de inéditos, um poema de Rubens Akira Kuana.

Tratado da Consolação

O capricho
pelo extermínio
das fronteiras
é apenas
passageiro.
Nem mesmo
o almanaque
Abril conta
todas as rezas
e santinhos
eleitorais.
A nova muralha
da China é uma
hidrelétrica
e o Ministro
da Pesca faz
o símbolo da
paz. Disfarça.
Ventila. Quando
catástrofes maiores
nos atingirem
estaremos a bordo
da arca matriarcal.
Junto ao resto
dos índios
tamanduás
e orelhões
assistindo
a qualquer
estoque
de soja
transformar-se
em mausoléu. Ar
queologia. Onde
está nosso Dia
de Princesa?
Nossa bolsa
imigração?
Miami é uma
concubina & quem
serve também
sorve. Cabeças
tanto rolam
quanto provam:
eu poderia comer
dinheiro agora
com os olhos
vendados. As
mãos amarradas
aos pés. Seus
pés. Um
balde cheio
de gelo cai
sobre nossas
costas corais.
A partir
dos polos
os peixes
repovoam
o planeta.
Você, afinal
é o mágico
que sempre
quis ser.

§


§

sobre o autor





Rubens Akira Kuana nasceu em Videira, Santa Catarina, em 1992. Traduziu poetas contemporâenos de língua inglesa como Sophie RobinsonLonely ChristopherAriana Reines e Alex Dimitrov, entre outros. Estreou com o livro Digestão (2014), publicado através da LUMA Foundation e 89plus - associados a UbuWeb (ubu.com) - na exibição "Poetry will be made by all!", aberta no Centro de Arte Contemporânea Löwenbräukunst, em Zurique, Suíça. Sob curadoria e assessoria de Simon Castets, Hans Ulrich Obrist, Kenneth Goldsmith e Danny Snelson. O livro está disponível para download gratuito:

http://poetrywillbemadebyall.ch/book/digestao/

Foi publicado na Modo de Usar & Co. impressa e no Suplemento Pernambuco. Publica suas traduções e poemas no espaço pessoal AkIraRubens Akira Kuana vive e trabalha em Budapeste, na Hungria.

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Lula Pena

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Hoje, na Modo, o brasileiro Luca Argel apresenta o trabalho da portuguesa Lula Pena.



Lula Penaé uma cantora portuguesa nascida em Lisboa, em 1974. Estreou em disco em 1998, com Phados, a que se seguiu, após um hiato de 12 anos, o incrível Troubadour, que considero uma das jóias da poesia portuguesa recente, no sentido mais amplo e ancestral que possamos atribuir à palavra poesia – e à qual o próprio nome do álbum e a sua divisão em "Atos", e não em "faixas", já nos faz o favor de direccionar.

Entendo, ainda, que o resgate da prática poética do troubar, em Lula Pena, não está apenas restrita à escolha do registro oral, ou ao diálogo com a tradição da canção popular/folclórica e seu uso enquanto suporte poético, mas também no trânsito entre idiomas (português de Portugal, português do Brasil, francês, castelhano, inglês…), e sobretudo a uma prática de apropriação de temas e versos dessa espécie de cancioneiro universal, que vai de Otto a Atuhualpa Yupanqui*, para dentro do seu trabalho – coisa que, na minha opinião, remonta a práticas poéticas de tempos em que valores como "originalidade" e conceitos como "autoria" não tinham o sentido nem a força de regra (e mesmo de lei) que hoje possuem.



*A ficha técnica do disco acusa as seguintes presenças (embora eu desconfie que hajam muitas mais): Alejandra Pizarnik, Antonio Gamoneda, Antônio Cícero, Atahualpa Yupanqui, Chico Buarque, David Mourão Ferreira, Dolores Duran, Eden Ahbez, Fernando Caldeira, Frederico De Freitas, Herberto Hélder, Joaquim Campos, José Afonso, Luís De Macedo, Mirah Yom Tov Zeitlyn, Otto, Santos Moreira, Sigila Silva Tavares, Yoshi Oida e tradicionais.

--- Luca Argel


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Poema inédito de Érica Zíngano

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Na série de inéditos, hoje, um poema de Érica Zíngano (Fortaleza, 1980).




ainda consigo escutar a máxima que cambaleia sobre a terra bêbada
insistindo nisso que relembra o erro de acertar a carta
e perder o jogo
todos já nascemos para trás
e continuamos evoluindo em busca
de um silêncio que conjugue
a vibração exata do período de resguardo
e o sono que regenere e nos faça amanhecer
sem rugas
eu faço experimentos eu misturo substâncias
eu não sou a primeira
eu não serei a última
nem todas as formas estão corretas
mas não existe uma regra
você pode confiar nas suas escolhas
apertar botões
selecionar estados de ânimo e alturas relevantes
nada será compreensível
até o ponto em que fulminante
o trem passa e lhe leva para outro lugar
antes de você nascer
nada pode consolar mais do que
o seu próprio vazio alcochoado
mas nem todos estão preparados para abrir a porta
vai ser necessariamente assim
existe um emissor e o receptor abre a carta
corta as bordas
rasga o tempo do envelope
aí começamos a descobrir de novo
quando o elevador está congestionado
e as paredes cheiram a esperma de um cinema pornô velho
os pênis nunca funcionaram como bons faróis
                         [para os navegadores
astutos a cachaça talvez
o problema são as vozes que começam a se acumular
no fígado e ao invés de regenerarem
não conseguem filtrar
mas é verdade que podem ser úteis para pendurar quadros
eu falo dos pregos dos pênis dos imãs de geladeira
necessariamente a ordem está invertida
eu falo de como você se nutre para depois explodir
e aí só depois os livros são vendidos limpos
passados a ferro
inúmeros exercícios de corte e feira de eventos
mas os frágeis os sensíveis os indispostos os que têm
                         [vontade de vomitar
não conseguem acompanhar e ficaram presos
em algum ponto em que nem eles mesmos conseguem identificar
são os primeiros a morrer

§


§

sobre a autora 

Érica Zíngano nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1980. Graduou-se em Letras (Português/ Francês/ Literaturas) pela Universidade Federal do Ceará, onde também concluiu o Curso de Especialização em Estudos Literários e Culturais, com uma pesquisa sobre a escrita fragmentária de Clarice Lispector, sob o enfoque teórico de Barthes. Radicou-se por um tempo em São Paulo, onde cursou o mestrado em Literatura Portuguesa na USP, com tese sobre os percursos do EU no drama-poesia da escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol (1931-2008). 

Foi coeditora da revista Desassossego e integra o corpo editorial da revistaAstro-Lábio. Publicou poemas na antologia XXI Poetas de Hoje em Dia(ante) (organização de Priscila Lopes e Aline Galina. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2009), e o livro fio, fenda, falésia (São Paulo: 2010), em conjunto com Renata Huber e Roberta Ferraz, com apoio do prêmio ProAc 2009. Além disso, reuniu seus trabalhos em artes visuais no mil e uma notas (genéricas) .

Na Alemanha, onde a poeta hoje vive, foi lançado Ich weiß nicht warum. Zeichnungen und Texte für Unica Zürn [Eu não sei por quê. Desenhos e Textos para Unica Zürn] (Berlim: hochroth Verlag, 2013). Abaixo, um texto meu a respeito deste livro.



De Zíngano a Zürn: uma brasileira em diálogo com uma alemã



A escritora e artista visual brasileira Érica Zíngano 
lança na Alemanha Ich weiss nicht warum
livro em que dialoga com a escritora e artista 
visual alemã Unica Zürn


Sempre muito ligada à literatura e arte emanando de Paris e, mais tarde, de Nova Iorque, os diálogos entre a literatura e arte brasileiras com artistas e escritores de Berlim e outras partes da Alemanha sempre foi pontual, intermitente e precário. No entanto, quando ocorreu sempre deixou marcas fortes em nossa Literatura.

Machado de Assis e Fagundes Varela traduziram Heinrich Heine no século XIX, e foi baseado em “Das Sklavenschiff”, do judeu alemão, que Castro Alves compôs seu poema mais famoso, “O Navio Negreiro”. Mário de Andrade, um dos poucos modernistas brasileiros que dominavam a língua alemã, intitulou um de seus livros “Losango Cáqui (ou Afetos Militares de Mistura com os Porquês de eu Saber Alemão” (1926), e Manuel Bandeira traduziria peças de Bertolt Brecht. O dramaturgo berlinense se manteve uma das grandes influências do teatro brasileiro, marcando a produção de grupos como a Companhia do Latão, de São Paulo, mesmo quando na Alemanha sua influência decaiu por motivos políticos, especialmente após a Reunificação.

O trabalho do Grupo Noigandres, com Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos, foi também marcado por seu diálogo com os suíços de língua alemã Max Bill e Eugen Gomringer, e com alemães da Escola de Ulm, como Max Bense, que escreveu o seminal “Inteligência Brasileira: uma reflexão cartesiana”, no qual narra sua convivência com artistas e intelectuais como João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Bruno Giorgi, Alfredo Volpi, Lygia Clark, Lucio Costa, Afonso Reidy, e os próprios poetas concretos, que por sua vez traduziram alemães tão diversos quanto Goethe, Hölderlin, Arno Holz, Christian Morgenstern, Kurt Schwitters e August Stramm. Mais recentemente, o poeta André Vallias, após passar alguns anos na Alemanha, vem traduzindo autores de língua alemã como Georg Trakl e mais uma vez Heinrich Heine, publicando a primeira antologia com parte substancial da obra do alemão em língua portuguesa.


Unica Zürn, uma grande artista na obscuridade

Todos os nomes mencionados pertencem já ao cânone da Literatura e Arte alemãs, assim como do Brasil. O livro de Érica Zíngano, poeta e artista contemporânea nascida em Fortaleza em 1980, resgata através do diálogo o trabalho de uma alemã que segue sendo um segredo de iniciados mesmo na Alemanha. Nascida em Berlim em 1916, Unica Zürn foi uma poeta e artista de primeira ordem, obscurecida na memória por ser frequentemente conectada apenas como nota de rodapé biográfico ao nome de seu marido, o grande artista surrealista alemão Hans Bellmer, que conhecera em 1953 e com quem se mudara para Paris. Diagnosticada como esquizofrênica e tratada pelo mesmo médido de Antonin Artaud, após várias crises de depressão a alemã comete suicídio em 1970, jogando-se da janela do apartamente que dividia com Bellmer na capital francesa. Talvez pela barreira da língua, sua obra não foi reivindicada pelo movimento feminista internacional ou mesmo alemão, como ocorreu com outras escritoras e artistas com a mesma morte trágica, como a americana Sylvia Plath, a cubana Ana Mendieta e a brasileira Ana Cristina Cesar.

Muito de sua obra escrita é de tradução praticamente impossível. Com grande parte de seus poemas formados por anagramas, o primeiro verso determina a composição de todos os versos seguintes, criando o número e sistema de letras que serão usados ao longo de texto. Uma tradução exigiria o mesmo procedimento, gerando textos completamente distintos na língua de chegada. A obra completa de Unica Zürn foi lançada na Alemanha em 6 volumes, entre 1988 e 2001.

Um diálogo entre Zíngano e Zürn

“Em 2011, comecei a ler um livro de cartas trocadas entre Hans Bellmer e Henri Michaux, em que falava do período em que a unica Zürn estave internada. Estava na França, procurando livros do Michaux porque queria traduzi-lo. Então, nessa época, eu comecei também a comprar os livros da unica na França por causa desse livro de cartas que li, e ali descobri os anagramas”, comenta a autora brasileira. A editora Hochroth, que se impressionara com os poemas de Zíngano publicados na antologia VERSschmuggel/TransVERSal da Oficina de Tradução de Festival de Poesia de Berlim de 2012, que pareou 6 poetas brasileiros a 6 poetas de língua alemã, convidou então a brasileira para lançar um livro na Alemanha. Daí a decisão de Zíngano de estabelecer um diálogo com o trabalho de uma alemã que a havia impressionado. “Com Unica Zürn eu então senti que tocava em um pensamento feminino, também um pensamento alemão, via surrealismo (que me interessa), mas pelo francês, a língua que leio e traduzo." 

Este é um aspecto interessante do livro, para além de sua excelente qualidade artística. O livro torna-se uma meditação sobre o próprio ato de traduzir, já que Érica Zíngano, poeta lusófona, chega ao trabalho de Unica Zürn, poeta germânica, pela língua francesa. E o resultado, por sua vez, passa pela poeta e tradutora Odile Kennel, ela própria falante do alemão, do francês e do português, para a criação deste livro-obra de arte, com o título tão sugestivo de “Ich weiss nicht warum”, ou seja, “eu não sei por quê”.


Este livro é um momento bonito do crescente diálogo entre autores brasileiros e alemães, em grande parte pelas mãos e mente de Odile Kennel, que vem traduzindo para o alemão vários poetas brasileiros, como Angélica Freitas, Douglas Diegues e outros. Esta sua última ventura tradutória traz à Alemanha não apenas uma das poetas mais interessantes do Brasil hoje, como talvez possa trazer à tona a própria obra de Unica Zürn para novos leitores alemães.

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Ricardo Domeneck, publicado originalmente na Deutsche Welle a 3 de janeiro de 2014.

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Poema inédito de Guilherme Gontijo Flores

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Série de inéditos, hoje com poema de Guilherme Gontijo Flores (Brasília, 1984).




um elefante chora

      eu e meu elefante
      em que amo disfarçar-me
                        (CDA)

pois depois de cinquenta
anos de cativeiro

eis que aquele elefante
chorou por ser liberto

as manchetes nos dizem
como que comovidas

porque agora encontraram
água nas profundezas

por baixo do petróleo
profundo da terra

e aquilo que hoje chamo
chorar nesse elefante

só permanecerá
ou assim eu espero

só permanecerá
como irremediável

signo que segue além
da amarra do sentido

talvez por renegar
nossas aspirações

pela profundidade
para assim pairar longe

por sobre as superfícies
enrugadas que agora

acinzentadas cercam
os olhos do elefante

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sobre o autor

Guilherme Gontijo Floresé um poeta, tradutor e crítico brasileiro, nascido em Brasília em 1984. É graduado em Letras pela UFES, e mestre em estudos literários pela UFMG com a tradução integral das Elegias de Sexto Propércio (43 a.C. - 17 a.C.), no prelo. Hoje é professor de Língua e Literatura Latina na UFPR e termina seu doutorado na USP, sobre as Odes de Horácio (65 a. C. - 8 a.C). Já publicou traduções de As janelas, seguidas de Poemas em Prosa Franceses, de Rainer Maria Rilke (em parceria com Bruno D'Abruzzo), e de A Anatomia da Melancolia, de Robert Burton, em 4 volumes (pela qual recebeu o Prêmio Jabuti de tradução). Participa do blog coletivo escamandro, sobre poesia, tradução e crítica. Seu livro de estreia, brasa enganosa (São Paulo: Editora Patuá), foi lançado no ano passado.

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