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Ederval Fernandes

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Ederval Fernandesé um poeta contemporâneo brasileiro, nascido em Feira de Santana, Bahia, a 25 de outubro de 1985. Formado em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana, leciona literatura na Secretaria de Assistência Social da cidade.

Seu primeiro livro, O Livro Conta Corrente (Feira de Santana: Sarò, no prelo), será lançado este mês. Os poemas abaixo são recentes, posteriores ao primeiro livro, com a exceção dos dois últimos.

Ederval Fernandes me parece um crítico e poeta de mão firme, especialmente quando usa o corte ágil. Tem, além disso, um dos trabalhos mais interessantes, que li nos últimos tempos, na pesquisa dialetal e de léxico local, como no poema "O cobrador da van disse" e, de outra maneira, em outro poema, "A cabeça do preto", de força política diante de nosso racismo sistêmico, baseado em um assassinato terrível acontecido em Feira de Santana. Mostramos aqui o aspecto sonoro de seu trabalho através da vocalização dialetal do poeta para "O cobrador da van disse". 


--- Ricardo Domeneck

§

POEMAS DE EDERVAL FERNANDES

O cobrador da van disse



oxeee, mô fio,
é ba-rril.
nego pagou foi pau.
né, moral,
tu num viu?
tu vai pá rua,
pacêro?
simbora, qui é passe.
dinhêro né mato,
que nasce à toa.
amanhã é dumingo,
viu, coroa?,
e cabucives é sagrado...
sem baratino,
no barro, só de boa.
e é isso meismo.
mar menino.
se alterar o plantão,
tu já num sabe?
é daquele jeito,
mô fio.
é dá um mole,
o pipoco vem.
vai, sá-cana -
é-só-o-barril.

§

Da minha boca

a vertigem
do dia são estas
horas:

luz e fogo
levando
embora a noite
calma.

um nada
no nada,
meu adágio
sai e segue.

e um deus (morto)
bebe um café
comigo.

 *

“perigo”,
ele me diz,
“não sou eu,
amigo,
o infeliz
que te trouxe
ao veneno”.

eu sei, eu
digo,
desde pequeno

(cravado
no umbigo)
trago comigo

este jogo
de ases.

e não
vou, eu sei,
fazer
as pazes:

se as fiz,
eu falhei.

 *

do som,
quero a canção;
da mão

(é verdade),
quero e não sei
a liberdade.

não da forma
oca - o veneno
é da boca.

se a língua
portuguesa
é pouca,

isto não é
problema?

não aqui,
assim,
no meu poema.

§

A voz
para Uyatã Rayra

verde, ser
de
sopro.
vento lento,
mundo
oco.
se tudo É
como É?
o vento, o sopro
o tempo morto
e o engodo...

águia voa febril
no branco, comigo.
à sorte,
amigo. a morte
é o lance tardio.

o jogo É
assim.
se isto É
tudo (o fim),

meu espelho
conservo
convexo neste
verso.

dentro,
dentro
do mistério,
escrevo.
escravo,
escavo o minério:

gravo a voz
em vós.

§

A cabeça do preto

O silêncio
é mentira.
Na Feira,

a noite delira
e é fera.
O que vira

na esquina
é a morte.
Galopa forte

a garganta
do bruxo.
Pro canalha

no carro, o luxo
do tiro
com um gatilho
de cem,
E aos que são sem

nada, é o nada
o que têm,
o que veem
dentro da noite
e da lata.
Vagabundo mata

ou morre.
É o absurdo.
deus é o surdo
que olha
e corre.
Não tem

socorro,
my nigga.
Diz aí quem

é que liga
pa cabeça
do preto
no saco prástico.

§

Gramática normativa

A professora Norma
Soeli de Líng. Port. IV
revela em sala:
um aluno meu
não sabia
usar os conectivos
de coesão,
não sabia usar
sequer preposição,
misturava os tempos
verbais e os modos.
Acabou que, Norma
revela, meu aluno
se suicidou.
O verbo suicidar
possui este pronome
fossilizado, Norma
observa – ninguém diz
meu aluno suicidou.

§

S/ título

Você pode,
em Feira,
recitar versos
logo de manhã
e não
parecer pedante.
Você diz:
parem de jogar
cadáveres
na minha porta.

§

Marize

Há uma tesoura que corta.
E há uma mãe que costura.

§

O eletricista e o poeta
Para meu pai

Um fio
se liga
a outro, diz
o eletricista.
Uma palavra
se liga
a outra,
diz o poeta.
Um dia
se liga
a uma noite
e uma noite
se liga
a um dia.
É assim -
nos ensina
a poesia.
Sabem
o eletricista
e o poeta
que a luz
se projeta
com o fio. Mas com
palavras, desconfiam.

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